Um ano de (des)governação
da Cooperação Portuguesa
Cumprido um ano de actividade de Governo e em particular de actuação do Secretario de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, a situação em que se encontra o sector da Cooperação para o Desenvolvimento é particularmente preocupante. A Plataforma Portuguesa das ONGD faz o seu balanço do que considera ser um ano de desgovernação e desestruturação do sector.
7 de Julho de 2011 - A Plataforma Portuguesa das ONGD, como é hábito perante a mudança dos decisores políticos do sector,
pede uma audiência ao Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (SENEC) e
não obtém resposta.
Julho de 2011 – A Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa de 2005, que prevê o seu próprio termo de vida para 2009,
não é objecto de qualquer revisão ou actualização, apesar de existir uma proposta de um novo documento já preparado.
2 de Agosto 2011 - A Plataforma reúne, por sua própria proposta, com o Grupo de Trabalho de Internacionalização e Desenvolvimento que é nomeado pelo Governo, apresentando-lhe um conjunto de propostas para a Cooperação muito concretas que serão
ignoradas. O Grupo de Trabalho produz um relatório que não é consensual entre os seus membros. O único parágrafo que contém sobre a cooperação é a única parte que reúne consenso entre os membros do Grupo de Trabalho e vai no sentido da necessidade de reforço de competências do Instituo Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), nomeadamente no que se refere ao papel de coordenação da cooperação dos vários ministérios. Posteriormente
o IPAD foi extinto e o organismo que o substitui em nada tem a sua actuação reforçada para aquele fim.
4 de Agosto 2011 - O SENEC, a pedido da Plataforma que com ele se dispõe a colaborar, recebe-a. Apesar dos pedidos de clarificação sobre o rumo estratégico da cooperação portuguesa,
o SENEC não apresenta qualquer ideia concreta para o futuro do sector. Afirma
estar em auscultação dos actores do sector, que se prolonga até hoje (Junho de 2012).
Novembro de 2011 - Apesar de não haver clarificação sobre o rumo da cooperação e apesar do Relatório do Grupo de Trabalho sobre Internacionalização e Desenvolvimento ter unanimemente recomendado o reforço do IPAD, são tomadas medidas operacionais tão desestruturantes como a extinção do IPAD.
29 de Novembro de 2011 - O SENEC participa no Fórum de Alto Nível de Busan sobre a qualidade da ajuda sem ter auscultado a Sociedade civil Portuguesa,
sem a comitiva levar alguém da Sociedade Civil e sem informação prévia de que posição iria ser assumida pelo nosso país. Os princípios definidos na Cimeira foram subscritos por Portugal, sem contudo se registar a sua aplicação.
9 de Dezembro de 2011 - O SENEC comunica, em audiência com a Direcção da Plataforma, que as linhas de co-financiamento aos projectos de cooperação para o desenvolvimento passariam a ser disponíveis em anos alternados e, como tal, em 2012 já não seriam abertas. Informa ainda que
o cofinanciamento aos projectos de Educação para o Desenvolvimento ficariam suspensos “sine die” para avaliação (que nunca ocorreu).
Dezembro de 2011 - É
aprovado o Plano Integrado de Cooperação (PIC) para Moçambique sem a participação dos actores do sector, incluindo os técnicos do IPAD, contrariando os termos da estratégia de 2005 alegadamente em vigor. Note-se que no próprio texto do PIC se refere várias vezes que teve lugar ampla consulta da Sociedade Civil e esta nunca ocorreu.
30 de Janeiro de 2012 - De forma precipitada e sem consulta dos actores do sector - a par da constante afirmação por parte do SENEC que está a auscultar as partes interessadas para tomar decisões -
é publicada a lei orgânica que cria o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua que resulta da fusão entre o IPAD e o Instituto Camões. Na referida lei, encontra-se um
peso desproporcional da língua em detrimento da cooperação. É de notar que o próprio
Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (CAD/OCDE) recomenda a Portugal o afastamento da promoção da língua dos objectivos da Cooperação.
28 de Fevereiro de 2012 - O SENEC é chamado à Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Assuntos Europeus da Assembleia da República e declara perante os deputados que:
- Considera a Estratégia de 2005 como vigente. No entanto toma medidas contrárias à mesma;
- Considera que a Cooperação é Politica de Estado. Entretanto toma medidas que contribuem para a violação de compromissos que Portugal assumiu bilateral e multilateralmente;
- O seu principal objectivo é conferir eficácia à Cooperação. Apesar disso não define os fins da Cooperação, impossibilitando a aferição de tal eficácia, na medida em que algo só é eficaz se atingiu os resultados pretendidos, que não se conhecem;
- Privilegia as ONGD como parceiros. No entanto, retira-lhes 57% dos apoios existentes e não encontra, com elas, soluções alternativas;
- Apresenta a Educação para o Desenvolvimento como muito importante. Apesar disso corta em cerca de 75% as verbas da Linha de co-financiamento respectiva.
8 de Março de 2012 - O SENEC decide abrir a linha de co-financiamento para projectos de Educação para o Desenvolvimento mas
reduz em 75% o orçamento disponível não garantindo, assim, mais que a continuidade dos projectos em curso.
20 de Março de 2012 – Somente após 4 meses da criação do novo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, é nomeada a sua Presidente. Só em Junho de 2012
são nomeadas os dois vogais continuando ainda a restante direcção do Instituto por completar. Também apenas em Junho são publicados os Estatutos que regulam o seu funcionamento.
27 de Março de 2012- O SENEC manda cancelar, a 100%, sem fundamento ou aviso prévio, o subsidio à Plataforma, existente desde 1994. Sem que até à data tenha sido apresentada por escrito a devida justificação.
5 de Abril de 2012. O SENEC, em processo relâmpago de “pseudo” audição da Plataforma, decide afinal lançar a linha de co-financiamento de projectos de cooperação para o desenvolvimento. Contudo,
reduz o seu orçamento em mais de 50%, o que na prática significa manter apenas os compromissos de financiamento já assumidos em 2010, deixando uma verba de cerca de 300.000 € para novos projectos.
23 Abril de 2012 - Em reunião solicitada ao SENEC, a Plataforma Portuguesa das ONGD é recebida por um seu adjunto que, mandatado pelo SENEC para o efeito assume que, tendo sido o subsídio cancelado, o contracto programa celebrado para prestação de serviços entre a Plataforma e o IPAD, vigente até 2013, será mantido e será desde já negociada a sua continuidade após o seu termo.
17 de Maio de 2012 - Finalmente
o SENEC recebe pessoalmente a Plataforma. De uma longa reunião que se assinala por
uma notável vaguidade, resulta: a promessa de reactivar a curto prazo o Fórum da Cooperação e este é que se encarregará de rever a estratégia da cooperação tão breve quanto possível; a intenção de visitar as ONGD para as conhecer melhor; a oferta de facilitar acesso a contactos a financiadores bi/multilaterais que possam financiar projectos de ONGD que considere irem ao encontro do interesse de Portugal e; a oferta de diligenciar para a promoção de encontros entre as ONGD e o sector privado.
17 de Maio de 2012 - O SENEC reitera a importância que dá às ONGD como parceiros, ao mesmo tempo que reafirma a não manutenção do subsídio e –
ao contrário do que afirmara seu adjunto, – a não disponibilidade de um novo contracto programa após o termo do que actualmente está em vigor.
24 de Maio de 2012 - P
assados 11 meses de tomada de posse do actual SENEC, o sector continua sem rumo estratégico, persistindo a tomada de decisões desestruturantes e no nosso critério, sem fundamento. As ONGD apresentam aos parceiros do sector um documento com propostas muito concretas resultante de um amplo processo de debate.
Até à data, o SENEC não tomou qualquer iniciativa para reagir à mesma ou até promover a sua operacionalização em nome do reforço e melhoria da Cooperação Portuguesa.
CONCLUSÃO
Assim a situação geral do sector, passados 12 meses de governação, caracteriza-se por:
- Não haver orientações que definam o destino da cooperação portuguesa face aos desafios que Portugal e o Mundo enfrentam.
- São tomadas medidas operacionais que entendemos serem totalmente desestruturantes do sector, afectando directamente as partes interessadas que vão desde os países parceiros da cooperação portuguesa (e nestes, as populações desfavorecidas), às ONGD, passando pelos próprios agentes e dirigentes públicos técnicos do sector.
- Recusa do SENEC em admitir a possibilidade de haver alternativas viáveis para se atingirem os mesmos fins. Confrontado com a natureza aleatória de decisões tomadas ad hoc sem contribuírem para um fim estratégico, escuda-se nas restrições orçamentais e na obrigação de contribuir para a redução da máquina administrativa do Estado.
- As propostas concretas apresentadas pelas ONGD, que não só não requerem mais fundos como podem ajudar a mobilizar mais financiamento e promover a eficiência e eficácia não têm qualquer eco na acção governativa.
- Uma violação de um conjunto de compromissos assumidos por Portugal face a terceiros, pondo assim em causa o bom nome e imagem de Portugal.
- Assim, consideramos que estas políticas não acrescentam nem eficiência nem eficácia, mas pelo contrário promovem a desestruturação do sector da Cooperação de Portugal, devendo por isso serem suspensas e sujeitas a reflexões que conduzam a práticas coerentes com as restrições financeiras necessárias e com a manutenção de vectores fundamentais da Cooperação Portuguesa.
Com este cenário, a Plataforma Portuguesa das ONGD considera que, após um ano de Governo, o balanço é francamente negativo no que diz respeito à Política de Cooperação. Por essa razão é urgente que o Governo de Portugal tire as suas ilações das práticas governativas desta área para que os danos causados ao sector não se tornem irreparáveis.
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A Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD)
é uma associação privada sem fins lucrativos que representa um grupo de 67 ONGD
registadas no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Ao representar e apoiar as ONGD portuguesas a nível nacional e internacional,
a Plataforma Portuguesa das ONGD pretende contribuir para a qualificação
da intervenção da sociedade civil nos domínios da Cooperação para o Desenvolvimento,
da Ajuda Humanitária e de Emergência e da Educação para o Desenvolvimento e Formação.
Procura também potenciar as capacidades das ONGD enquanto organizações
empenhadas na afirmação da solidariedade entre os povos
contribuindo assim para a criação de um mundo mais justo e equitativo.