Da «dívida histórica» do Brasil a Angola
à dívida em dólares de Angola a Portugal
Luanda ou, mais rigorosamente,
José Eduardo dos Santos, de uma semana para a outra, acolheu duas mega-comitivas, uma a seguir à outra.
Durão Barroso teve o mérito de se antecipar ou de se fazer antecipar a Lula da Silva pelo que o Brasil, como sempre, chegou atrasado (pelo menos desde Agosto).
Lula da Silva malhou em ferro frio com o dobro dos empresários convidados por Durão -100 contra 50 – o que, diga-se de passagem, não foram números que pudessem aumentar dramaticamente a quantidade de deslocados na capital angolana.
Diplomaticamente, as duas viagens, a do Português e do Brasileiro, revelaram-se desprovidas de substância. Os dois desdobraram-se em oratórias mais ou menos bem conseguidas. Barroso até brilhou nas declarações de intenção. A fazer lembrar Sarney, numa também desastrada ida a Luanda, Lula, mais uma vez, borrou a opa quando se meteu pelos atalhos da história colonial, pelo que o Brasil, como sempre, não conseguiu ainda ver que o seu Imperador D. Pedro I, o do grito do Ipiranga, não foi propriamente um guerrilheiro que após anos de escondido na selva, vestisse à pressa um fato e ajeitasse gravata para assinar um acordo de Alvor…
Quer Durão Barroso, quer Lula da Silva protagonizaram dois enormes desastres diplomáticos não tanto por culpa própria mas por ambos terem menosprezado que a figura central da cena não deveria ter sido cada um dos visitantes em separado mas apenas José Eduardo dos Santos. Aliás, o Presidente angolano entenderá haver toda a conveniência em que o menosprezem para que o não escrutinem, o que mais uma vez conseguiu.
Lula, o campeão da igualdade, das liberdades civis e dos direitos humanos, evitou toda esta matéria metalúrgica, preferindo pragmaticamente dissertar sobre diplomacia comercial, deixando sugerido como garantia histórica que as empresas brasileiras, a entrarem em Angola, já não vão traficar escravos como outrora nem usar o trabalho infantil como ainda hoje. Assim, não foi de admirar que, Lula a braços no seu país com os Sem Terra que o elegeram, apenas tenha podido anunciar, em concreto, aos Com Terra de Luanda o reforço das linhas de crédito do seu Banco Nacional para exclusivo apoio das empresas brasileiras que queiram implantar-se em Angola. Está no seu direito, mas equivale a um desastre diplomático.
É evidente que se desconhecem os resultados da «diplomacia informal» dos brasileiros que se deslocaram em Luanda, capital propícia a esse género de movimentações em que José Eduardo dos Santos é um não-menosprezado perito. Italianos, Franceses e Espanhóis reconhecem as virtualidades desse tipo de diplomacia e não custa crer que os Brasileiros se lhes juntem.
Não tendo o Brasil dívidas em reais, dólares ou euros a cobrar ou a perdoar em Angola, mas apenas «uma dívida histórica» e com a história mal sabida, a viagem de Lula ficou por aqui.
Durão Barroso usou linguagem diferente de Lula. Linguagem aceitável no plano político exigível a um Primeiro Ministro, diga-se. Mas foi um erro não se ter feito acompanhar pela MNE a quem deveria ser cometida a tarefa da advertência, do enunciado das condições e reparos negociais, enfim, do «trabalho de canalizador» que uma Secretário de Estado não pode fazer quando o canalizador deve ser de alto nível.
O Primeiro Ministro regressou sem que o problema da dívida angolana ficasse resolvido. A parte do perdão, essa ficou resolvida, sem dúvida. A parte do pagamento, não. Foi sem dúvida obtido um «acordo político» mas os acordos políticos não pagam dívidas. José Eduardo dos Santos, na sua primeira visita a Portugal como PR angolano - há que anos! – já tinha feito e garantido um «acordo político». Chegou a visitar em Sines, o local onde, de futuro, seriam depositados anualmente carregamentos de petróleo equivalentes às parcelas de pagamento da dívida. Petróleo esse que voou negociado em contratos paralelos pela tal «diplomacia informal», com escritórios em Lausanne e em Londres, a fazer circular interesses italianos, franceses e espanhóis… Portugal ficou a ver navios. Agora, segundo foi anunciado, o pagamento da dívida angolana está pendente de «questões técnicas», ou seja: do financiamento da banca internacional… Pode ser, mas quem acredita em José Eduardo dos Santos?
A questão da dívida angolana é crucial para que as empresas portuguesas voltem a ter confiança em Luanda, cujas leis de protecção ao investimento estrangeiro, refira-se, são verdadeiros alçapões. Sem a questão da dívida resolvida clara e inequivocamente, a viagem de Durão Barroso também equivaleu a um desastre diplomático.
Desastre diplomático agravado com o significado político do convite de Jorge Sampaio a José Eduardo dos Santos para, mais uma vez, visitar Portugal em 2004. Outro erro evitável. Por que razão Sampaio não aguardou as anunciadas eleições gerais em Angola? Por que razão não aguardou o esclarecimento dessa esquisita questão angolana da «sucessão» presidencial provocada por anúncios de retirada logo seguidos por sugestões de recandidatura por José Eduardo dos Santos?
José Eduardo dos Santos legitimou-se duvidosamente no poder pelo conflito e não pela democracia. Tornou-se na mais velha «legitimidade» caturra que a África hoje regista, imune aos atropelos da boa governabilidade e dos direitos humanos, tanto que não ousa ratificar o Estatuto de Roma que criou o Tribunal Penal Internacional. Presume-se que por medo das iniciativas que o Procurador do novo Tribunal de Haia pudesse desenvolver.
O PR Português ao convidá-lo, em coincidência com o acolhimento do MPLA que José Eduardo dos Santos também lidera, encenado na Internacional Socialista de Guterres, vai atrás dessa «legitimidade» duvidosa. Para que o desastre não seja maior, apenas se espera que a Casa Civil de Sampaio transmita a José Eduardo dos Santos para não incluir o mestiço Falcone na comitiva.
Sim, foi assinado o Plano Indicativo de Cooperação Portugal-Angola, trienal. Coisa importante e que o Brasil de Lula foi incapaz de fazer ou de tentar fazer, mas coisa circunstancial e a merecer telegrama separado.
Finalmente, a pergunta: onde está esse Centro de Excelência Empresarial previsto para Luanda, supostamente criado no âmbito da CPLP, com foguetes de Portugal, carnaval do Brasil e tambores de Angola? Lula nada disse, Durão Barroso disse nada. A CPLP não acabou mas terminou nesse mutismo sobre o projecto mais sério da organização. Chama-se a isto «coordenação política e diplomática» dos desastres. José Eduardo dos Santos deve estar a rir-se que é o que faz quando, de encontro ao seu próprio interesse, o menosprezam como figura central.
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