Nas Necessidades: Cesário trocou as mãos pelos pés
Na Procuradoria: um mês tem já 50 dias
A recondução de Cesário na equipa do MNE é que anima a história. Se ao lado de Teresa Gouveia, o secretário de Estado das Comunidades fosse hoje outro (um qualquer outro), a audição parlamentar de Cesário, marcada para a próxima terça-feira, poderia até já nem ser um caso de utilidade pública mas de mera curiosidade arqueológica. Se não estivesse no Governo, não se exigiria a Cesário mais do que um desempenho de cronista do convento com a recapitulação dos factos bombásticos que levaram à queda de dois ministros, Pedro Lynce e Martins da Cruz - e com isto lá teve a sineta da capelinha das Necessidades que uma vez mais dobrar a finados. Assim, como Secretário de Estado, Cesário tem que ser, no mínimo, um revelador de verdades.
Em causa está a circunstância, a motivação e mesmo o fundamento para que José Cesário tivesse apresentado em 21 de Julho, no Conselho governamental de secretários de Estado, uma proposta de alteração do regime que regula o acesso à Universidade dos
filhos dos diplomatas. Não sendo esta propriamente uma matéria de emigração, Cesário protagonizou com isso uma aposta excêntrica, metendo depois os pés pelas mãos como se fosse um estilista amador da política.
E foi assim que garantiu ao Expresso que apenas tomou tal iniciativa porque recebeu «instruções formais do gabinete do MNE» e, sem especificar quem em concreto o instruiu, garantiu todavia que Martins da Cruz nunca lhe falara do assunto. Portanto, aí temos um Secretário de Estado que, sobre matéria que envolvia um ministro e instruído por quem desconhecia (o chefe de gabinete? Um adjunto? Um assessor? Um tarefeiro? Uma dactilógrafa?) não teve o cuidado de escrutinar a matéria com o próprio ministro. Numa república do interior africano, de preferência islâmica, gestos destes merecem uma medalha da tribo; por toda a Europa, vitimam politicamente ministros, mas em Portugal parece que a explosão não afecta o portador da bomba política. Cesário sobreviveu.
Mas, vá lá, a sinceridade de fim-de-semana que Cesário confiou à verdade nacional do semanário Expresso, ainda passaria despercebida se, poucos dias antes, dessa vez ao diário Público, Cesário não tivesse garantido não se lembrar como é que o assunto surgiu sobre o tampo da sua secretária! E mais: «Os serviços do MNE fizeram-se chegar isso, não me lembro quem». Aí temos pois um secretário de Estado que mal descortina um A4 compostinho sobre o tampo, colocado por quem nem lembra, corre de papel na mão ao Conselho e diz: «Está aqui uma proposta para mexer numa lei!» apenas porque os «serviços do MNE» lhe fizeram chegar «isso». Entre os «serviços» do início de uma semana e as «instruções de gabinete» do fim da mesma semana, para Cesário, parece, tanto faz. Chama-se a isto um verdadeiro consulado honorário.
Só que a outra torre de governo que também caiu, o ministro Pedro Lynce, não se conformou com o ataque esparvoado e solicitou, no dia 7 de Outubro, ao Procurador-Geral da República um pedido de parecer para que, a propósito do alegado favorecimento da filha de Martins da Cruz, se apurasse a existência ou não de de motivos que justifiquem uma adequada investigação sobre eventual crime de abuso de poder. Souto de Moura aceitou o pedido e o assunto ficou a cargo do Conselho Consultivo da PRG, tendo o Palácio de Palmela feito passar a mensagem para a Pátria segundo a qual a Procuradoria iria «analisar tudo o que se passou», incluindo-se expressamente nesse tudo, o papel de Cesário e que a decisão seria tomada «no prazo máximo de um mês». E as coisas serenaram: o Procurador vai decidir. Mas já lá vão 50 dias e, até agora, nada. E se a verdade nacional do próximo sábado nada disser sobre a decisão do Palácio de Palmela, é de admitir que Cesário, caso se sinta espremido, a tudo responda: «Esse assunto está a ser investigado pela Procuradoria, não me pronuncio, não quero interferir nas investigações em curso»…
A recondução de Cesário anima a audição.
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