03 novembro 2003

Os Validos do Rei...

A propósito do sistema de promoções e colocações do MNE desejaríamos contribuir para o debate com este extracto, obtido com a devida vénia, dos "Diários" do Ministro Plenipotenciário Charles Calixto:

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«Quem se recorda ainda do Sr. Matos que foi contínuo (assim se dizia) do MNE durante anos sem fim ? Qualquer visitante que entrasse pelo Largo do Rilvas deparava logo, na primeira sala à direita, com essa verdadeira instituição da Casa que era o Sr. Jaime Matos.

«Nunca se lhe conheceu a ideologia ou sequer a opinião sobre o que quer que fosse, mas, no aprumo do seu uniforme azul, a sua pessoa tornava-se notada pela extrema correcção no trato e pelos cumprimentos que prodigalizava segundo uma hierarquia cuidadosamente estabelecida: a S.Ex.a o Ministro, abria a porta do carro com uma profunda vénia e aos Secretários de Estado, abria a porta envidraçada do hall com vénia menos acentuada. Quando entrava um Plenipotenciário, punha-se de pé. Os restantes diplomatas – e conhecia-os a todos pelo nome e grau - recebiam um aceno de cabeça que, porém, era acompanhado de um levantar da cadeira se se lhe dirigissem. Ah! Mas chegasse ao pátio do MNE um táxi com uma Senhora e logo o nosso Matos corria para, solicitamente, lhe ir abrir a porta!

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«Numa arrastada tarde de Verão fui às Necessidades procurar um colega. O parque de estacionamento deserto e soalheiro logo me fez suspeitar que boa parte do pessoal dirigente deveria estar a render merecidas homenagens às areias das praias. E que assim era, confirmou-me o Sr. Matos, sempre firme no seu posto.
Dado o insucesso da minha deslocação, resolvi quedar-me um pouco mais para dar dois dedos de conversa àquele exótico funcionário. Foi então que reparei numa soberba tela a óleo pendurada na sala da recepção.

- Bonito quadro - comentei. E indaguei o que representava exactamente.
- Saiba Vossa Excelência que são “Os Validos do Rei” - respondeu-me o Sr. Matos.
E acrescentou, baixando a voz num tom cúmplice:
- Tem inspirado alguns dos nossos mais Ilustres Diplomatas!


Fixei, para sempre, o avisado comentário daquele servidor do Estado Português. Soube, mais tarde, que, quando o inexorável limite legal de idade chegou, o Sr. Matos reformou-se não sem antes ter a satisfação de ver os seus relevantes e continuados serviços reconhecidos por condecoração do então Ministro. Morreria em paz pouco depois.

***

Ainda não perdi a esperança de poder encontrar, daqui a alguns anos mais, o bom do Sr. Matos à porta do Paraíso, no fiel exercício das suas perfunctórias funções. Mas o quadro, o premonitório quadro, é que desapareceu da recepção do Rilvas. Quem me saberá dizer onde foi parar?»

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