De tudo o que se ouviu hoje no Seminário para Banqueiros Estrangeiros (no CCB), a surpresa partiu de Jardim Gonçalves. O que Isabel Mota disse não foi surpresa, António Vitorino pouco foi acrescentar, Durão barroso outra coisa não poderia dizer, Cavaco Silva já habituou toda a gente a Cavaco Silva, Jacques Delors foi igual a si próprio, Miguel Beleza já foi ministro das Finanças, Victor Gaspar (agora na máquina do banco Central Europeu) não podia abrir o jogo, Vitor Martins mostrou que terá ainda alguma palavra a dizer.
Mas Jardim Gonçalves foi a surpresa porque quando fala um banqueiro português de peso, um notável comerciante português ou um homem relevante da indústria portuguesa, os portugueses já sabem, de antemão, o que o peso, o notável e o relevante vão fazer saltar da boca para fora.
Em casos como o de José Manuel de Mello, os portugueses já sabem que terão de escutar a profecia do fim próximo de Portugal, com dez milhões de seres estéreis, criptogâmicos ou se calhar fanerogâmicos, para mais a serem atingidos pela febre das galinhas amanhã já de manhã ao cantar do galo.
Noutros casos - mais numerosos, muito mais numerosos – os portugueses começam por ouvir os males nacionais explicados pelos erros do anterior governo. Mas só muito depois é que percebem que convém que se refira apenas «anterior governo» mesmo que o anterior daquele que já foi actual, seja o próximo.
Na verdade, não há política externa económica nem diplomacia económica que resista quando os notáveis, os pesos e os relevantes parece que vivem numa permanente atitude de excepção sediciosa contra o que está a pretexto daquele mesmo anterior, impondo a profecia da catástrofe no lugar do debate e erguendo a mão de ferro da advertência condenatória em vez de, pelo menos por um segundo e meio, submeterem a escrutínio o que fazem, nem que seja ao escrutínio da própria consciência.
E aqui está a surpresa do discurso de Jardim Gonçalves.
Segue apenas um excerto (texto na íntegra em Notas Formais) que, pelo que consta, jamais José Manuel de Mello poderá dizer que é da sua autoria:
«1986 foi para Portugal o 2004 dos novos Estados-Membros. Com efeito, foi já há 18 anos, que Portugal se juntou a um projecto europeu de paz e prosperidade, iniciado com a reconstrução após a 2ª Guerra Mundial e protagonizado por países com regimes democráticos, estados sociais de direito e sistemas de economia de mercado. Com a adesão europeia iniciou-se um período de desenvolvimento institucional, económico e social sem precedentes na história contemporânea nacional e que, sob múltiplas perspectivas permitiu reduzir as distâncias seculares face a outros países europeus. E Portugal partiu de uma situação em múltiplos aspectos mais atrasada ou semelhante à posição actual dos novos estados membros, sendo confrontado com alterações estruturais e processos de convergência, que exigiam uma capacidade de adaptação e modernização até então não comprovada.
«As transformações políticas, económicas e sociais associadas à integração europeia foram decisivas para que as últimas duas décadas tenham sido caracterizadas por uma melhoria expressiva da situação sócio-económica – com destaque para a modernização e harmonização da regulamentação em numerosos sectores, a abertura da economia ao exterior, a gradual estabilização macroeconómica, o influxo de fundos comunitários que contribuíram decisivamente para a melhoria da rede de infra-estruturas e do stock de capital humano, a atracção de investimento directo estrangeiro e seu contributo para a inovação tecnológica e a diversificação do tecido industrial, a melhoria das práticas de governo públicas e privadas, a gestão do ambiente, a consagração de direitos de consumidores e trabalhadores.»
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