13 março 2004

A Diplomacia de Lisboa...

Os dados parecem estar lançados. Os países do Sul da Europa não têm um problema acrescentado, têm um novo problema – um problema que não se previa nos meses finais de 2003, quando se registou intensa movimentação política e diplomática entre os países que partilham o Mediterrâneo. E assim foi: no final de Outubro (29 e 30) foi a reunião extraordinária dos Ministros de Negócios Estrangeiros dos «5 + 5» a que se seguiu a primeira cimeira de Chefes de Estado e de Governo dos dez países do Mediterrâneo Ocidental, em Tunis, no início de Dezembro (5 e 6), logo a seguir à Reunião da Parceria Euro-Mediterrânica, em Nápoles, a nível de chefes de diplomacia, a 2 e 3 desse mesmo mês, com a Líbia a ser mantida ainda de fora. Falta de reuniões, portanto, não houve.

O Diálogo «5 + 5» é um procedimento iniciado em 1990 entre os cinco países do Sul da Europa (Portugal, Espanha, França Malta e Itália) e os cinco vizinhos da União do Magrebe Árabe (Mauritânia, Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia) mas ficou praticamente suspenso ao longo de dez anos a pretexto da Líbia, sendo relançado em Janeiro de 2001 ao sinal da primeira atenuação das sanções internacionais contra Tripoli.

Quanto à Parceria Euro-Mediterrânica, trata-se de um processo mais vasto – envolve todos os países da União Europeia da respectiva margem mediterrânica e os 12 países da margem sul.

Em todas estas reuniões se falou do terrorismo e do combate ao terrorismo a que as chancelarias insistiram em designar por «fenómeno» como que a esconjurar o perigo que já se sentia no ar. Deixou de ser apenas um «fenómeno».

O atentado terrorista em Madrid fez virar a página. Chegou o momento em que os Estados do Mediterrâneo devem provar que estão de facto com boas intenções quer no Diálogo dos «5 + 5» quer na Parceria. A prova dessas boas intenções - a que não se dissocia a capacidade para as executar - leva tempo, sobretudo aquele tempo que corre a favor do terrorismo organizado à escala internacional, e além disso segue por etapas programadas, negociadas e previsíveis, em contraposição com a natureza do terrorismo que não obedece a programas, não faz negociação seja com quem for e é imprevisível.

Ora, quando há um virar de página, não é que tudo tenha que começar do princípio, mas alguma coisa de novo tem que ser feita e que actue nas relações internacionais, como motor, como empurrão firme e determinado. O combate ao terrorismo deixou de ser apenas um caso de polícia ou do domínio das polícias.

A Lisboa, oferece-se a possibilidade desta viajante diplomacia portuguesa tomar uma iniciativa com o âmbito que a firmeza e determinação requerem. Daí que se insista na justeza de uma reunião cimeira extraordinária dos Estados do Sul da Europa com a questão do combate ao terrorismo como ponto único da agenda. O virar de página torna justificado que se deixe para os fóruns de boa vontade aqueles considerandos que são secundários embora importantes, considerandos estes que têm adornado as reuniões dos «5 + 5» e da Parceria e a que a linguagem diplomática cobre com a patine das abstracções do género «envidar esforços», «aprofundar a cooperação nas vertentes económica, social e cultural» para não se referir as visões bíblicas em torno de uma – mais uma entre as demais – nova Assembleia parlamentar Euro-Mediterrânica, a que se somas as visões da Promoção ao Investimento e da projectada Fundação para o Diálogo de Culturas. Estas são apenas boas intenções que nada têm a ver com o facto do Mediterrâneo ser um mar cada vez mais salgado pelo quanto do seu sal é feito com as lágrimas de Madrid, etc. e tal.

Aos seis Estados do Sul da Europa - Grécia, Malta, Itália, França, Espanha e Portugal - cabe essa firmeza e essa determinação, e Lisboa está nas melhores condições para articular politica e diplomaticamente o processo que se impõe. Sem punhos de renda.

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