14 março 2004

MNE, paróquia rural portuguesa do século XVIII...

Ali os encontrei de novo, nos Claustros, o meu velho amigo embaixador jubilado Agapito Barreto e a fina flor de diplomata activo que é, o ministro plenipotenciário Charles Calixto.

- Então, embaixador, o que é que pretendia dizer-me, há dias, com aquela do zás-pás-catrapás? Está assim tão desapontado?

Agapito Barreto, depois de ligeira tosse protocolar, vira-se calculadamente para Charles Calixto:

- Tinha jurado a mim mesmo, oh Charles, que não voltaria a dizer mais nada para as NV, mas, tal como se diz em Direito Internacional, rebus sic standibus... Está preparado?

E foi então que ocorreu a cena inesperada.

Como se tivessem treinado por várias noites a fio, os dois diplomatas começaram a recitar afinadamente um texto, no jeito de dupla acabada dos jograis que, até àquele momento, eu apenas conhecera com total e original pureza no Itamaraty e de forma grosseiramente imitada no Quai d’Orsay.

Eis o que recitaram, com voz grossa de homens a ecoar na calmeza daquele espaço sem cor:

(Os dois) - A gestão dos recursos humanos...
(Calixto) - ...da Casa.
(Agapito) - Quem é o seu responsável?
(Os dois) - O Director do Departamento de Administração ?
(Calixto) - O Secretário Geral?
(Agapito) - A Ministra?
(Os dois) - Qualquer que seja a resposta...
(Calixto) - ... é espantoso...
(Os dois) - ... o amadorismo vigente numa área que hoje...
(Agapito) - ... em qualquer organização média...
(Calixto) - ... não pode ser gerida sem recurso às mais modernas técnicas de gestão.
(Os dois) - Nesse campo
(Calixto) - e, possivelmente, noutros...
(Os dois) - o MNE
(Calixto) - continua ao nível
(Os dois) - de uma paróquia rural portuguesa do sec. XVIII
(Agapito) - com o tradicional e descarado
(Calixto) caciquismo
(Agapito) - e favoritismo incluído...
(Os dois) - Demonstram-no,
(Calixto) - as sempre difícies relações com o STDCE,
(Agapito) - as relações amarelas - em sentido sindical - com a ASDP,
(Calixto) - a decisão de
(Os dois) - abrir um concurso de ingresso
(Agapito) - de novos diplomatas
(Os dois) - quando a Casa se espreme inteira
(Calixto) - para inventar ocupações ridículas
(Agapito) - para toda uma série de diplomatas
(Calixto) - sub-aproveitados
(Os dois) - ou, mesmo,
(Agapito) - mandados para casa
(Calixto) - à espera
(Os dois) - de ter qualquer coisa para fazer...
(Calixto) – Enfim...
(Agapito) - ... acabamos também...
(Os dois) - ... por partilhar do cepticismo de Notas Verbais.

Estupefacto, completamente estupefacto com este inesperado recital de jograis nos Claustros das Necessidades, eu, modesto pensador pré-socrático da Ásia Menor e privilegiado espectador único deste recital, comecei a aplaudir, tinha que aplaudir, senti-me na obrigação cívica de bater palmas infringindo todas as regras da paróquia. As instituições em Portugal dão vontade de rir, diria Sampaio quando funciona.

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