12 março 2004

O Palácio das Necessidades faz bem em não explicar aos Portugueses como «Portugal vota» em Nova Iorque

Concorre muito para que a nossa política externa não tenha o brilho da diplomacia, o espectáculo a que os governos se devotam. A «presidência portuguesa da OSCE» não foi um espectáculo? A «presidência portuguesa da UE» não foi um espectáculo? E a já remota «presidência portuguesa do Conselho da Europa»? E quando por aí acontecer «a presidência portuguesa da CPLP», a CPLP não será espectáculo? E sem a presidência de qualquer coisa da NATO, o que é a NATO? E quando um português foi «presidente da Assembleia Geral da ONU», recordam-se de como as Nações Unidas eram um espectáculo diário? E então quando Portugal por dois anos teve aquele assento no Conselho de Segurança, o que não foi o Conselho de Segurança sobretudo no mês da presidência? Não é verdade que bastará um insignificante clube inglês ter um rapazito português a meio-campo para de imediato passar a ser clube de estimação em Freixo-de-Espada-à-Cinta? E quando, entre muitos, o Representante Português em Genebra figurou na Comissão dos Direitos do Homem, não bastou isso para sermos eternamente Acampeões dos direitos humanos? Sem o espectáculo já de qualquer presidência, a OSCE como que desapareceu do mapa das preocupações externas portuguesas, as Nações Unidas deixaram de ter Assembleia Geral, o TPI deixou de ter interesse com o estrondoso fracasso de Lisboa em colocar em juiz em Haia, a NATO reaparece apenas como legenda de alguma missão que dá uns bons dólares para meia-dúzia de militares, o Conselho da Europa passou a uma espécie de anonimato porquanto para muitos decisores do Estado até seria interessante que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem passasse à clandestinidade. Mas também em época de carestia no «exercício» de presidências, qualquer coisa serve para alimentar a «diplomacia de festa». Não foi um espectáculo a eleição de Paula Escarameia para a Comissão de Direito Internacional? E quando Portugal conseguiu a presidência da VI Comissão da Assembleia Geral da ONU? Até a VI Comissão entrou no noticiário quotidiano! Basta estar um português entre os 40, 50 ou mesmo 120 de qualquer conselho, entre os 14 de qualquer bureau, entre 8 de qualquer secretariado internacional para termos, enfim, a política externa do genitivo desse conselho, desse bureau ou desse secretariado. Um lugarzinho de topo na UNESCO e, a partir daí a UNESCO, oh a UNESCO! quase passaria a ser dada como portuguesa ou como abençoada prioridade portuguesa tal como um poiso numa agência, organização ou departamento marítimo qualquer e, oh os Oceanos!, o Mar!, a nossa Diplomacia Marítima eis como vence as ondas!

  • Nestes termos, por exemplo, que justificação há para que o Palácio das Necessidades diga como Portugal vota em Nova Iorque? Para quê dizer que Portugal que se absteve e explicar porque se absteve, que votou a favor e porque votou a favor ou que votou contra e porque votou contra? Para quê explicar se não há português na presidência da Assembleia Geral, se há cavalo de Alter no Conselho de Segurança e nem sequer o regedor de Marvila figura na VI Comissão? Na verdade, numa diplomacia de espectáculo, o Povo Português não tem o direito nem a legitimidade de saber como «Portugal vota».
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