29 março 2004

Política Externa. Teresa Gouveia rodeada de artistas?

Decorridos estes meses, a Ministra Teresa Gouveia não produziu uma única declaração de fundo, uma qualquer exposição precisa, uma declaração com princípio meio e fim ou, ao menos, uma justificação de iniciativa solidamente suportada. Com isto, não se pretende dizer que a Ministra não tenha capacidade. Terá, admitamos. Mas até agora e desde a sua entrada nas Necessidades, a Ministra não foi além do repisar das linhas abstractas do programa de governo, do dizer em voz alta alguns óbvios preâmbulos de decretos e de, em estilo mais ameno, repetir sínteses dos considerandos do antecessor. Foi à China, foi ao Brasil, foi ao Iraque, vai ao Japão, andou pela Europa, recebeu já bastante gente em Lisboa, assistiu à queda eleitoral (e não só) da sua colega de Madrid, Ana Palacios, pelo que, admitamos também , ainda não terá tido tempo para as questões de fundo.

  • Europa, por exemplo. Aí temos a questão crucial da negociação que, no quadro da UE, decorre sobre a almejada Constituição Europeia. A Ministra limitou-se a dizer «ficou com a impressão de que há perspectivas positivas para chegar a um consenso» e que começa a existir «alguma consonância» no que diz respeito ao processo de decisão». Mas por que razão as perspectivas serão positivas para Portugal? E que consenso sobre o quê? E que consonância? Ficou tudo no vago, como no vago ficou, para Portugal, a retórica europeísta saída da última reunião de topo, com Durão Barroso. Ora, para além de ser um facto que a generalidade dos portugueses desconhece em absoluto o que seja a Constituição Europeia em contraste com uma minoria supostamente esclarecida que a conhece nos contornos, aí temos um Governo que garante amiúde, sobre essa matéria, que «Portugal defende», que «Portugal quer» ou mesmo que «Portugal considera indispensável». Acresce a isto que o Parlamento não escrutina e quando escrutina, fá-lo num jogo de manifestações secundárias quer de defesa quer de luta pelo poder, jogo esse que, apesar de forrado de legitimidade, descaracteriza a formulação política da invocada «vontade» de Portugal. De um lado, estão pois os que não dizem nada e do outro estão os que nada sabem, ficando pelo meio os que, para sobrevivência neste sistema de reserva mental, se auto-proclamam «técnicos» em matéria cuja «complexidade» estará vedada aos comuns mortais... Naturalmente que a Ministra dos Negócios Estrangeiros já deveria ter traçado rumos claros, apresentado opções consolidadas e, enfim, ter excedido o patamar das «impressões». Um Estado, qualquer Estado, exige à Chefe da sua Diplomacia a «segurança da orientação» e antes desta a própria orientação, de forma inequívoca e clara. Teresa Gouveia gere o Palácio das Necessidades como se estivesse à frente de um Ministério da Cultura onde os músicos por vezes tanto apreciam um bequadro na pauta, onde os pintores tanto gostam de um sorriso iluminado no ponto de fuga, onde poetas e novelistas tanto aplaudem aquele silêncio processional de que actores, cineastas e arquivistas também não desdenham. Mas, mal estará o Estado se os seus diplomatas forem todos uns artistas.
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