01 junho 2004

Novo modelo curricular ...

E é a esta hora que me telefona o Embaixador Agapito Barreto. Não porque haja assutno grave:

«Meu caro, você já reparou bem que as regras para a elaboração dos currículos em Portugal se alteraram? Já reparou? Outrora, um curriculum devia no mínimo e por ordem facultar, ponto um – os dados biográficos, ponto dois – o percurso académico, ponto três – a experiência profissional, o percurso político no caso dos políticos, a ascensão e desempenho na carreira no caso dos diplomatas e, claro, no casos dos jornalistas as ganhunças que recebeu sem vender a alma; ponto quatro – a formação extra-académica, ponto cinco – trabalhos publicados, colaborações relevantes, enfim, intervenções em congressos ou até mesmo livros de poesia, separatas de história e tanto melhor se um trabalho sobre dinossauros; finalmente, alguns cheirinhos da vida privada – se joga golfe ou petanca, se é barão nomeado pelo Senhor D. Duarte Pio ou pratica a arte de ouvir as anedotas do padre Melícias, sei lá, fazer footing com o Dr. Durão Barroso, coleccionar brilhantinas com o Dr. Santana e encadernar primeiras páginas de semanários com pelo menos dez anos de arquivo ou mesmo ir à missa com a Dr.ª Maria Barroso também serve...»

Tivemos que interromper Agapito Barreto – Oh meu caro embaixador! Já são já duas da madrugada e não é o momento mais adequado para o briefing de NV! Vá directo ao assunto!

«Vou, meu caro, vou direito ao assunto. Pois os currículos a partir de agora, em Portugal devem ostentar um novo item e à cabeça, mesmo antes daquele da formação académica! E na vida diplomática isso é particularmente relevante!»

Ouviu-se, aqui e nitidamente, um profundo suspiro de Agapito. E os suspiros de Agapito são mais dramáticos que os ruídos de linha da PT!

«Pois agora, à cabeça, os currículos têm que conter obrigatoriamente o passado criminal ou penal do curriculado.»

Mas, embaixador, chegámos à decadência?

«Nada disso! Chegámos à excelência! Se um indivíduo não tiver passado penal, acredite, nada vale. Se tiver sido meramente indiciado de dois crimes públicos prescritos, já começa a valer alguma coisa; de 17, melhor; de 48 não prescritos nem se fala, começa a ser um ás, e se por acaso pagou 800 mil euros para evitar a prisão preventiva, então meu caro, é já um potentado! Se fugiu à justiça para o Brasil ou para Angola, esse acto de coragem deve vir bem destacado e se tiver sido condenado a oito, dez, vinte anos de prisão, então será um génio, um sobredotado.»

E na carreira?

«Na carreira é o mesmo. Um diplomata que não tenha roubado nada ao Estado, não presta; se não tratou os emigrantes a pontapé, não tem dignidade para postos de primeira classe; se nunca foi tentado a uma prolongada e indevida ausência de posto, é no mínimo um desgraçado. Acredite que lhe digo a verdade!»

Mas por que razão, meu caro embaixador, me telefona a esta hora para me dizer isso?

«Olhe, é para você colocar nas Notas Formais o novo modelo curricular. Prestará um grande serviço, pois há muitos diplomatas que andam a ocultar tanta coisa que se revelassem nem imaginariam como subiriam alto e de vez. Ponha nas Notas Formais. Ponha! Esse modelo será a jangada nacional da auto-estima! Você é que não terá coragem para pôr!»

Ponho.

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