08 julho 2004

Este nó górdio e o embaraço dos Embaixadores portugueses na Europa.

A Europa assiste, por certo muito curiosa, ao desenrolar da inédita crise portuguesa. Os nossos Embaixadores estão a ser literalmente bombardeados nas diversas capitais por essa mesma curiosidade sobre uma crise que, tal como no gó górdio, quanto mais se puxa mais aperta.

De um sítio, dão-nos conta da estupefacção causada pelo facto do Primeiro Ministro José Manuel não ter procedido às razoáveis consultas institucionais internas, antes de consumar em definitivo a sua opção pessoal de aceitar Bruxelas. Considera-se isso como uma falha grave. Na verdade, nem o Presidente da República, nem a Ministra de Estado e N.º Dois do Governo, nem a MNE foram previamente confrontados com os cenários onde necessariamente teriam de ser protagonistas, num momento em que o País aguardava por uma remodelação governamental anunciada, na sequência de eleições, enfim, eleições equívocas mas cujos sinais José Manuel afirmou publicamente ter entendido.

De outro sítio, conta nos dão das perguntas sobre o próximo rumo de Cavaco Silva, cuja eventual candidatura presidencial vai sofrer inevitável abalo senão mesmo decisão de provável desistência, seja qual for o desenrolar dos acontecimentos. Cavaco Silva, tanto quanto se percebeu, também não foi ouvido nem achado. Quer a lógica eleitoral para um novo parlamento, quer a lógica do governo-estafeta apenas poderão minar o caminho para essa candidatura até há poucos dias absolutamente credível e sem alternativas. José Manuel partiu do pressuposto de que nenhum português, na euforia das vitórias do Euro, o haveria de condenar por aceitar o lugar de Presidente da Comissão Europeia e que qualquer polémica daí resultante haveria de ficar completamente esbatida com a muito maior polémica da interpretação do texto constitucional em matéria de formação de um outro governo com outro Primeiro Ministro. Pouco faltou para quase se garantir que um português à frente da Comissão equivaleria a um novo e grande fundo estrutural, a um desígnio nacional e a uma peça indispensável para a reclamada auto-estima. Nada mais errado, como se vê, pelos contornos da crise política instalada. O «homem providencial» que o chefe de governo irlandês garantia ter na mão como solução para a sucessão de Prodi muito antes de José Manuel surpreender o seu próprio País, redundou num estrondoso erro de paralaxe que, por sinal, nem o chefe de governo do simplificado e monárquico Luxemburgo não ousou cometer.

Os Embaixadores portugueses nas capitais europeias pouco ou nada podem explicar, tal como a MNE e tal como a Ministra de Estado. Daí a azáfama, a grande azáfama das missões diplomáticas europeias em Lisboa: não perdem um jornal, não deixam passar um noticiário de rádio, gravam como nunca os telejornais, convidam comentadores para o almoço, jornalistas para o jantar, telefonam... relatam - o Portugal político transformou-se num laboratório. Até um Alberto João Jardim que qualquer democracia séria já teria feito submergir naturalmente como submersos estão os condenados nas representações que se podem ver nas catedrais medievais, é um alvo moderníssimo desta curiosidade europeia...

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