09 dezembro 2004

Notas Verbais. Como sempre.

Reentrada.

Há paragens que são boas, retemperam e proporcionam aqueles balanços que alimentam a razão como nada. E serviu este hiato para se constatar que o Ministro António Monteiro está deveras isento das partes gagas do governo, conseguiu manter o MNE à margem das circunstâncias efémeras do poder e, sobretudo, não foi protagonista de episódios que desacreditam qualquer executivo deste mundo. Até agora foi um bom embaixador de Portugal acreditado nas Necessidades e quando precisamente estava a chegar o momento de se lhe exigir mais que a intervenção sábia ou que a gestão pacificadora, eis que tem de fazer adeus a um lugar que por enquanto ou ainda é dos poucos símbolos de soberania portuguesa e dos já escassos clarinetes que podem tocar a afirmação externa do Estado sem fífias. Como embaixador acreditado nas Necessidades, António Monteiro – terceiro Ministro dos Negócios Estrangeiros nos dois anos deste governo de dois tempos – não tem sido um contratempo e trabalhou sem a «concorrência» ou sem competição calada do gabinete do Primeiro-Ministro, como ocorreu com Guterres e com José Manuel, ou, melhor dizendo, com os respectivos assessores que não raras vezes actuaram como ministros sombra dos Negócios Estrangeiros dentro do próprio governo (coisa megalómana que já vem dos tempos de Cavaco). António Monteiro tem dominado as matérias, cumpriu a agenda das obrigações internacionais sem espalhafato e preencheu a hierarquia das Necessidades com figuras de competência e não com figuras de cera, como há muito não se verificava na Casa. Não terá resolvido bem certas colocações de embaixadores, é certo; terá confiado em demasia na bondade de intenções que normalmente faz ninho nos institutos autónomos, também é certo. Mas passa e foi um benefício da dádiva (não é gralha, é mesmo dádiva) para este governo que passa.

É claro que, se continuasse, mais semana menos semana, mais mês menos mês, ter-se-ia que questionar sem dúvida que diplomacia cultural é esta, a de Portugal que pelos vistos mal ouviu uns tambores do sertão até já se envergonha da palavra lusofonia; que diplomacia económica é esta, a do Estado que não ata nem desata e não vai além dos seminários, dos encontros e das reuniões à porta fechada; que política de cooperação e de ajuda ao desenvolvimento é esta que não aparece; que relações com Espanha são estas como se Portugal fosse a Catalunha ou a Galiza; que afirmação é esta na União Europeia que não vai além da cenoura do Tratado, sabendo-se como devemos rir bem desde o conde Lautréamont quando todo o figo come o seu burro.

É precisamente quando aqui em Notas Verbais, após merecido descanso, se arregaçava a camisa, se estendia o braço a jeito para o teclado e os dedos se preparavam para destinar os fumos do écran ao ministro António Monteiro, eis que ele está de saída. E nós de reentrada. À espera do senhor que se segue...

Carlos Albino

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