22 fevereiro 2005

Novas Fronteiras. Pobreza de textos sobre esse «Portugal na Europa e no Mundo»

Quanto a Portugal no Mundo (a Europa, felizmente, não está fora do mundo...) esperava-se que a iniciativa Novas Fronteiras fosse uma grande central de ideias, de amplo debate e de soluções fundamentadas para um Estado afunilado, com uma política externa violentamente continentalizada e cada vez mais sem bilhete de identidade muito embora cada vez mais com cartão de contribuinte. Esperava-se que o partido promotor desse fórum incentivasse os cidadãos que, por esta ou outra razão, não estão em partidos ou que deles sairam mas que não é por isto que serão menos democratas do que aqueles que por aí fazem carreira a tropel, ou que não tenham contribuído ou não estejam a contribuir possivelmente em alguns casos mais para a democracia do que os próprios carreiristas egocentrados da política.

Em matéria de política externa, o texto matriz proposto para debate - pobre, com raciocínios arcaicos, estereotipados, cheio de lugares comuns e sem golpe de asa – foi francamente desmotivador da participação dos que eram à partida definidos como destinatários do fórum. Esse texto foi vertido para componente do Programa Eleitoral do PS e assim ficou.

O site oficial desse fórum dá conta dos «contributos» ou reflexões que esse mesmo tema ou esse mesmo texto despertou por parte dos aderentes. Ao todo nove, ou dez se se considerar que um enunciado de Jorge Couto, antigo presidente do Instituto Camões, sobre a língua portuguesa no mundo, aí também terá cabimento. Dez, aceitemos.

Com destaque e à cabeça, é colocado um texto de Nuno Severiano Teixeira com aquilo que enumera como quatro desafios de interesse estratégico para Portugal. Não deve haver espanhol que não goste deste «contributo» muito embora sejam cada vez mais os portugueses que desconfiam dos contributos europeus dos espanhóis. E não falemos do MIBEL, da NATO... Mas porque Nuno Severiano Teixeira é Nuno Severiano Teixeira essa reflexão vai ficar arquivada em Notas Formais. Para que conste...

Num segundo texto, Carlos Sangreman fala de uns tais seis pilares para uma Cooperação Internacional, diz algumas verdades sobre políticos e política que, no MNE,houve neste domínio mas também divaga em demasia – chega a deixar sugerido que o IPAD seja organizado com uma estrutura tipo “holding” absorvendo o Instituto Camões e retomando as funções da APAD... Não falemos dos tempos das avenças a editores em dinheiro fresco porque uma cooperaração dessas até teria mais pilares que a Ponte Vasco da Gama!

Num terceiro texto, Osvaldo Salas começa assim: «Conjuntamente com informação e tecnologia, governação e o aspecto humano da inovação, a globalização é um factor decisivo para o futuro de Portugal. Este foi, é e será condicionado pelo desenvolvimento mundial, e vice-versa.» E propõe que a Assembleia da República crie uma «Comissão para o Futuro», possivelmente para o vice-versa.

O quarto texto é de João Gomes Cravinho, antigo presidente do Instituto da Cooperação Portuguesa e cuja actuação não cabe aqui apreciar. Começa por elogiar Nuno Severiano Teixeira, Jaime Gama e Luís Amado e termina assim: «... a recuperação da seriedade e da respeitabilidade internacional da cooperação portuguesa é tarefa urgente, depois destes três anos desastrosos. Mas é também uma tarefa cujos contornos são claros, bem conhecidos por quem trabalha neste meio. Que venha então uma nova era para a cooperação portuguesa, retomando e recuperando o trabalho interrompido em 2002 e dilapidado desde então.»

Num quinto texto, Severiano Manso, euro-céptico confesso, adverte para o excesso ou para a obsessão de Europa, e num notável post-scriptum até faz elevar o debate: «Já agora se o PS for Governo, como desejo, que crie outras moedas para o euro e para os centavos pois estas são horríveis»...

É de Nuno Magalhães o sexto texto onde se propõe que o próximo governo crie «no estrangeiro a figura do Liceu Português, a exemplo dos colégios alemão e liceu francês, em Portugal»... Está tudo dito, como quem cofia o bigode diz na Marinha Grande.

Depois, lá vem José Mateus, no sétimo texto intitulado «O Reequipamento das FA Como Choque Tecnológico» e que começa assim: «Portugal necessita de uma política de Defesa Nacional que permita a existência das capacidades necessárias à garantia dos interesses nacionais e à protecção dos cidadãos nacionais, dentro e fora do território nacional, e que conjugue a economia da Defesa como defesa da Economia.» E termina assado.

Um oitavo texto é de Francisco Nuno Ramos, bem conhecido no Instituto Camões pelas responsabilidades que aí teve. Este «contributo» termina com a proposta de que «todo o estudante de Língua Portuguesa tenha: - um dicionário, - uma gramática, - um prontuário, - um caderno e um lápis, - acesso aos sítios na Internet que facilitam a aprendizagem do Português» e dá um exemplo a finalizar: «que nos locais onde a missa e os actos litúrgicos são rezados ou realizados em português não seja descurada a nomeação de um padre português (ex.: Damão)».

Finalmente, um «Horizonte Estratégico de Consenso Nacional» é o que Paulo J. M. Vilares Vicente propõe nas Novas Fronteiras . Com a profundidade dos contributos anteriores, traça então o horizonte: «É preciso reconhecer que somos um país pequeno, com pouco “chão” e “à beira mar plantado”. Dificilmente seremos uma potência agrícola ou industrial e o nosso papel só terá relevo, enquanto complementar no quadro Europeu e Mundial, explorando os activos que nos são únicos.» Exploremos, pois, os activos...

E não há mais. Podem ler tudo na íntegra, naturalmente que nas próprias Novas Fronteiras.

No entanto, para melhor aproveitarem o tempo, leiam ou releiam «Portugal, Hoje - O Medo de Existir», de José Gil... E vejam se, nessas páginas, não haverá um choque filosófico de que tanta gente precisa.

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