O chefe da diplomacia espanhola, Miguel Ángel Moratinos espraia-se em considerandos sobre a próxima cimeira ibero-americana num artigo em El País e não foge à regra do que temos ouvido e lido de alguns outros espanhóis para os quais Madrid não pode deixar de estar no centro do mapa. Até se compreenderia se o mapa em causa fosse apenas o de Espanha e não o de quase meio-mundo. Assim, por exemplo, logo a abrir tais considerandos, Moratinos rememora o primeiro encontro ibero-americano em Guadalajara (México) em 1991 como um «encuentro entre España e América» para, poucas linhas abaixo, novamente reduzir a conferência à «relación entre España e Latinoamérica»l, chegando a afirmar, depois, que «las Cumbres Iberoamericanas han hecho más que otras organizaciones internacionales basadas em critérios de identidad similares, como la Commonwealth o la Comunidad francófona». Claro que, depois de ter omitido Portugal e de ter desgraduado o Brasil à posição de condimento no gaspacho latino-americano, não se esperaria que Moratinos referisse a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa como organização baseada em critérios de identidade linguística tam como o inglês baseia a Commonwealth e o francês a Francofonia. Mas Moratinos não se dá por achado e, supondo-se que ele pensa que o castelhano será afinal o critério da «identidade ibero-americana», não hesita afirmar que, comparativamente com as organizações da língua inlgesa e da língua francesa, a Comunidade Iberoamericana resiste vantajosamente, designadamente «porque sus señas de identidad son más sólidas y los valores compartidos más abundantes y homogéneos».
Moratinos faz omissões graves, deixando sugerido que o espaço que Portugal e Brasil partilham com os parceiros geográficos da Península e da América foi tomado por usucapião pela língua castelhana e esta, por sua vez, pela política externa e pela diplomacia espanhola. No resto das linhas e sobretudo nas entrelinhas, Morantinos fala da organização iberoamericana como coisa específica da «relação da Espanha com a América», nada admirando que tal coisa específica seja ou acabe por ser propriedade titulada da política externa espanhola, embora não o diga porque será feio dizer tal coisa quando se invoca «uma identidade mais sólida e valores compartilhados mais abundantes» do que a identidade e os valores da anglofonia e da francofonia – a lusofonia, para Morantinos, terá entrado na clandestinidade ou, pelo menos não tem direito de nação, sendo uma espécie de catalunhazinha da organização que Madrid anseia encabeçar face a Paris e a Londres. Lisboa, a diplomacia de Lisboa, o que é isso para fazer face?
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