A ida de DFA ao Canadá culmina uma série de erros de actuação política e de sensibilidade diplomática em cadeia, não é um erro isolado ou que isoladamente deva ser visto relativamente a outros erros. O perfil do ministro está afectado e, se é que já não passou, está a passar o momento em que ele, avisado, poderia identificar o seu problema que é um problema como MNE, aliás como MENE - este "E" entalado é politicamente mais relevante do que se pensa pois reporta uma hierarquia e precedência no governo. Só que DFA não é o Gama de Sócrates.
Este folhetim do Canadá, em resumo, pode sintetizar-se em quatro episódios ou quadros, numerados à romana:
I - O comunicado se sexta-feira. Fatídico e atabalhoado. A remissão do assunto dos deportados para um encontro apenas no final de Abril com o MNE canadiano, à margem ou num intervalo da reunião da NATO, inviabilizou qualquer trama político-diplomática. Além de que o embaixador canadiano muito terá agradecido às Necessidades terem feito um comunicado por ele, colocando-lhe nas mãos prova de excelente desempenho que prontamente traduziu e enviou para Otawa.
II - Ida aventureira ao Canadá. Surpreendente e mal preparada. Quando menos se esperava, o ministro dá o dito no comunicado oficial pelo não dito, e decide viajar para Toronto/Otawa a fim de falar com «as autoridades canadianas» sem especificação, pois não poderia especificar. Dizer que iria falar apenas com Monte Solberg, o ministro da Cidadania e da Imigração? Seria além de pouco, o mesmo que falar do não confirmado - DFA partiu sem essa confirmação certa e segura, além de que encontro dessa natureza, a rigor, seria para António Braga. Dizer que iria falar com o Peter Gordon MacKay, o ministro dos Negócios Estrangeiros e ministro da Agência de Promoção Económica do Canadá Atlântico? Seria o mesmo que descaracterizar o comunicado oficial de sexta-feira, além de que já Freitas estava no espaço canadiano e Otawa estava a dizer que para esse encontro não haveria disponibilidade de agenda. Portanto, o nosso Ministro de Estado e Ministro dos Negócios Estrangeiros partiu para o Canadá num estilo de aventura, sem saber bem com que ministros iria falar, com quantos iria falar e sem prévia concertação de matérias pelos canais adequados, para que nenhuma das partes venha a ficar diplomaticamente mal colocada - a parte canadiana e a parte portuguesa, sabendo-se qual delas é o elo mais fraco, em função do que se sabe e se conhece.
III - Falta de previsibilidade. A mudança da política federal do Canadá era aguarda há bastante tempo. Só gente pouco informada e nada prevenida, esperaria uma espécie de tolerante sorte do euromilhões para ilegais de vária ordem e de várias morais. Não vamos descer ao submundo da trapalhice que nem Portugal aceita da Ucrânia ou da Moldávia, nem o Canadá aceitará de Portugal, mesmo que a trapalhice tenha anos e não seja meramente logro ou dolo recente. Em Setembro do ano passado, em Outubro, em Novembro, em Dezembro, as Necessidades deviam ter previsto este cenário ou um cenário. Deviam ter promovido uma reunião dos cônsules com que Portugal conta em todo o Canadá - os gerais, os de carreira e os honorários. Uma reunião de todoa para avaliar o cenário possível, identificar-se o problema, tomar-se medidas e antecipar-se soluções, designadamente pelos canais adequados. Não o fez. Quer isto dizer que o MENE parece que chama tudo a si e depois deixa correr. Os secretários de Estado apenas surgem como bombeiros de serviço de agulheta na mão ou para rescaldos.
IV - Défice de percepção político-diplomática. DFA procedeu como se desconhecesse que os canadianos, mesmo aqueles que politicamente são as melhores almas deste mundo como comprovam ao serviço da ONU, recusam liminarmente uma coisa - chamemos-lhe coisa - e que é a «ingerência nos assuntos internos» ou tudo o que possam entender como tal. E então em matéria de aplicação de leis federais! E mais não dizemos para não prejudicar as conversas que DFA irá manter com Monte Solberg (homólogo, na prática, de António Braga) e com Peter Gordon MacKay, o seu próprio homólogo. Nós gostaríamos que as coisas - chamemos-lhe coisas -não ficassem pelas sessões de cumprimentos e cortesia (com certeza, os canadianos são peritos em cortesia pois até conservam a cortesia britânica que os britânicos perderam). E, já agora, gostaríamos que DFA e Peter Gordon MacKay não terminassem a reunião com um acordo de uma linha e nestes termos: «Os dois ministros concordaram em encontrar-se no final de Abril, à margem da reunião da NATO».
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