31 março 2006

Portugal/Canadá. Há lições a tirar pelas Necessidades

Que balanço? É evidente que Portugal não poderia ter a veleidade de pedir a alteração da legislação canadiana ou a alteração da sua execução - isto teria uma leitura de inaceitável ingerência por parte dos canadianos, ultrasensíveis a isso (pergunte-se aos EUA). Evidente também, como se esperava, o ministro dos Negócios Estrangeiros canadiano reiterou que não haverá tratamento «especial» para os imigrantes portugueses - a lei é a lei. Então, que primeiro balanço da viagem de DFA ao Canadá e, muito especialmente, das reuniões com os ministros Peter Mackay e com Monte Solberg?

Tal como NV tinham previsto, DFA e o seu homólogo Peter Mackay acordarem reunir-se a sós – que fórmula arcaica! – para discutirem a evolução das deportações, no final de Abril, à margem da reunião da NATO... Nenhuma novidade nisto.

Indo ao centro do problema, ao busílis da questão, à parte considerandos de circunstância e cortesia – «a atmosfera (foi) excelente» e trata-se de «países amigos» - considerandos que não podem ser rótulo de alguma «primeira vitória da parte portuguesa» a sugerir correspondência com alguma «primeira derrota da parte canadiana», o ganho puxado por DFA consistiu em que «os casos vão passar a ser tratados por dois representantes da embaixada portuguesa e dois representantes dos ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Imigração (do Canadá), que começam a trabalhar já amanhã, em Otava».

A isto se concatena o que, em Comunidades Portuguesas se dá conta – a contratação pelo governo português de um advogado canadiano especializado em Imigração para fornecer ao lado português todas as explicações e argumentos, não estando arredada a hipótese desse advogado poder vir a assumir a defesa dos interesses dos portugueses afectados pela lei canadiana.

DFA esbateu, e bem, a recusa inicial por parte do seu homólogo Peter Mackay, de o receber invocando este «indisponibilidade de agenda», e classificando isso como «um acidente de percurso». Ficou por aí.

E voltamos à vaca fria.

Ficamos sem perceber o fundamento da animosidade em alguns sectores ou andares das Necessidades, quando aqui, em NV, se afirmou que em vez daquele infeliz comunicado de sexta-feira, o ministro devia ir lá, porque DFA é o ministro e ninguém por ele.

E porquê? A ida ao Canadá não empolaria o problema; o comunicado é que empolou. A ida do MNE português ao Canadá até já devia ser algo de normal, de rotina e não um acto de excepção; a mudança de atitude oficial é que acentuou o carácter de excepção.

Além disso, sem fundamento também foi a mesma animosidade contra os reparos aqui feitos sobre a falta de agenda concertada e a preparação da visita com serenidade e pelos canais adequados - a serenidade, por vezes, tem 24 horas, não preciso uma eternidade. Ora deixar o MNE português partir à aventura, sem «os canais adequados» saberem com quem podia reunir-se e a que nível, com as coisas a serem tratadas cá em baixo com o avião lá em cima a atravessar o Atlântico, isso não foi bom sinal, e que em todo o caso nos levou a admitir que mais vale DFA sozinho do que mal acompanhado.

Esperávamos, é verdade, que os chefes duas chencelarias tivessem acordado não apenas uma esporádica «reunião a sós» no final de Abril (isso já tinha sido instruído), mas sim um processo de consultas regulares luso-canadianas. Aqui é que bate o ponto. O peso da comunidade portuguesa no Canadá assim o justifica de há muito e os inexplorados interesses dos dois países em diversas áreas, tal aconselhariam. Possivelmente será esse o próximo passo, mas teria sido importante que Portugal tivesse avançado já com esse passo, um passo que traduziria uma vitória não de uma parte mas das duas partes.

No entanto, apesar das maleitas político-diplomáticas, o lado mais positivo da visita de risco tem a ver com algo que não estava e não era o objectivo da mesma visita. Esse lado mais positivo consistiu no facto de a espinha dorsal, a boa e sadia espinha da comunidade portuguesa radicada no Canadá, sentir a presença de um MNE português, sentir que o MNE português vai até junto dela e que o MNE em pessoa e com risco político está disposto a interceder por ela a alto nível ou ao nível que lhe for possível. Essa recuperação de confiança que é já palpável, foi um ganho, possivelmente o maior ganho, que não estava seguramente na agenda de DFA sozinho e muito menos na agenda de DFA mal acompanhado, e nada tem a ver com deportações, com ilegais a que se misturam alguns artistas em expedientes. Tem a ver com um dever do Estado Português e cujo cumprimento não deveria ser esporádico, mas regular e com retrato bilateral – Otawa e Lisboa, lado a lado e num quadro rotinado de consultas.

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