14 fevereiro 2007

Consulado em Sevilha. Por exemplo, o requerimento

É que é verdade. O deputado Mendes Bota, do PSD, em requerimento ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, questionou o pretendido encerramento do Consulado-Geral de Portugal em Sevilha. E fez bem, não por se chamar Mendes Bota, nem por pertencer ao PSD * (ler, p.f. nota de rodapé). Fez bem pelos argumentos que aduz, os quais, naturalmente, o Ministério só fará bem ponderar. Ponderar, é o termo. Sigamos então o requerimento:

Afirma o deputado Mendes Bota

1 – Que «o esplêndido edifício do Consulado tem uma localização privilegiada – sito no centro da cidade, na esquina da Av. de Portugal e da Avenida del Cid, defronte da antiga Fábrica do Tabaco, hoje Faculdade de Direito e de Filosofia e Letras – é um verdadeiro património da presença nacional. Construído por Portugal para a Exposição Internacional de 1929, o imóvel possui um magnífico salão nobre decorado com frescos e talha dourada». Isto é verdade? É, independentemente da talha.

2 – Que «após a referida Expo de 1929, o edifício foi cedido gratuitamente pelo Município de Sevilha, acordo de concessão renovado em 2004 com duração até 2054, sem pagamento de qualquer renda, ao Governo Português; constitui, por isso, uma autêntica “casa” de Portugal na capital andaluza, sem quaisquer custos (e mesmo em pessoal estes custos são parcos, porquanto a representação consular portuguesa comporta apenas um cônsul e um chanceler)». Isto é verdade? É.

3 – Que «este consulado tem um intenso movimento, não só no apoio a cidadãos portugueses, mas também no apoio a cidadãos de outras nacionalidades, sobretudo a brasileira, que trabalham em Portugal, mas ali se deslocam por ser o posto consular mais próximo das suas residências». Isto é verdade? É.

4 – Que «trata-se de um Consulado financeiramente rentável, pois as receitas são cinco vezes superiores aos custos de funcionamento». Isto é verdade? É.

5 – Que «o Consulado de Portugal em Sevilha – pelas características apontadas, designadamente pela imponência, situação privilegiada e prestígio – representa uma base de apoio preciosa para actividades de promoção e divulgação do nosso país, nos mais diversos domínios, desde a economia à cultura. Ainda recentemente – no passado dia 1 de Dezembro de 2006 – ali teve lugar uma recepção muito concorrida, por ocasião do Congresso Luso-Espanhol de Direito Administrativo, que contou com a participação dos mais distintos especialistas (por Portugal, entre muitos mais, os Profs. Jorge Miranda, Fausto Quadros e Gomes Canotilho) desse importante ramo do Direito Público». Isto é verdade? É, mesmo descontando o congresso, Miranda, Quadros e Canotilho.

6 – Que «para além de grave atentado à presença da diplomacia nacional, o anunciado encerramento revela-se especialmente gravoso para o Algarve. Com efeito, só quem ignora a História desconhece as multisseculares relações entre o Algarve e a Andaluzia. Relações essas que sempre foram de complementaridade, com trocas comerciais intensas e uma não menos intensa emigração recíproca, que estreitaram laços entre os dois lados da fronteira – fronteira hoje livre e aberta mercê da ponte internacional sobre o Guadiana». Isto é verdade? É.

7 – Que «os períodos de maior crescimento económico do Algarve coincidiram sempre com as fases de dinamismo económico da Andaluzia e, nas condições actuais, esta Região Autónoma apresenta-se como o mercado mais prometedor quer para a produção algarvia quer para o turismo algarvio, com nove milhões de cidadãos espanhóis com grandes laços de simpatia e afectividade com o Algarve, e por inerência, com Portugal». Isto é verdade? É.

8 – Que «ao invés de o encerrar, impunha-se que o governo português revitalizasse o Consulado de Sevilha, quer recuperando o edifício (que não tem sofrido obras de conservação), quer fazendo dele um pólo para o incremento das relações estratégicas entre Algarve e Andaluzia. Não será, pois, exagero afirmar que a manutenção do Consulado em Sevilha se afigura absolutamente vital para o Algarve e para Portugal». Isto é verdade? É.

9 – Que «só uma desastrada miopia política poderá pretender o contrário, e consumar este gravíssimo atentado aos interesses nacionais e algarvios, qualquer que seja o número actual de actos consulares inscritos no livro de registos.» Isto é verdade? É, independentemente do deputado se chamar Mendes Bota e ser do PSD. É verdade.


Agora, breve comentário que não é do deputado Mendes Bota e muito menos do PSD. Na verdade, é inexplicável que alguém junto de António Braga, por invocados critérios de poupança (aceitáveis e defensáveis, como princípio) leve o Secretário de Estado a propor o encerramento de um consulado cujas receitas são cinco vezes superiores aos custos, em instalações com custo zero para o Estado Português até 2054, que o Governo da Andaluzia assume oficialmente como ponto de honra da capital autonómica (constatámos isto, por diversas vezes, presencialmente), e que deveria ser potenciado para as valências económica, política e cultural como os consulados deveriam ser potenciados (não estamos a dizer nada de novo nem de diferente do que sempre dissemos e mantemos – posição que manifestamente recolhe o apoio dos diplomatas e dos trabalhadores consulares, da Casa, portanto).

Ao que sabemos e pelas constatações ao longo de trinta anos, há sempre gente adventícia nas Necessidades que, nestas coisas - e não é o Secretário de Estado, muito menos o Ministro - gente que tudo faz pelo ponto de não retorno depois da asneirada técnica, «técnica» entre aspas. Essa gente, por regra, independentemente de ser do PS ou do PSD, começa bem e acaba mal, mas, neste acabar, acaba impune, punindo politicamente quem dá o nome e o rosto, sendo probo e competente. O caso de Sevilha, entre outros casos onde está Vigo, é um exemplo da incompetência dos que preparam dossiers tão bem preparados que decidem pelos decisores.

*Naturalmente que só por adolescência tardia, senilidade precoce ou bolchevismo indecoroso, se pode classificar uma crítica a acto de um Governo do PS como «fazer o jogo do PSD». Já ouvimos essa, e devemos dizer que o contribuinte não pode nem deve pagar coisas dessas.

Sem comentários: