Inusitado. Num primeiro momento, a propósito deste opúsculo «Quinze Meses no Ministério dos Negócios Estrangeiros», admitimos tratar do caso de forma leve, enfim, humorada, como que não dando importância ou significado à escribação. Num segundo momento, não – o caso deve ser levado a sério, deixemo-nos de DFA e de F-15, falemos de Freitas do Amaral. E por partes, porque há muitas partes.
Impressiona como uma personalidade construída politicamente e que, em função da construção, chega a Ministro dos Negócios Estrangeiros, publica este opúsculo não por saudades clínicas do cargo ou para aconselhamento paternal dos sucessores, mas para fazer contas com segundos, terceiros e outros remotos, assumindo ele a mera pose de tardio inspector diplomático e consular que acaba sempre por ser péssimo inspector quando se julga ministro perene.
Depois, impressiona o auto-relato de que ele, em quinze meses, fez tudo, tudo providenciou, e o que não fez, deixou feito ou providenciado até não se sabe quando, mas pelo menos até à presidência portuguesa da UE. Os que antes dele lá estiveram, nada fizeram e até lhe deixaram uma casa inapta, envelhecida e cheia de carraças, que só ele, apenas ele suposta ou auto-convencidamente modernizou, limpou e rectificou com determinação jamais havida. Qual Jaime Gama que suplantou em tempo como MNE, o recorde de Andrade Corvo! Ele, Freitas do Amaral, em quinze meses apenas, fez o que o Estado Português estava há séculos à espera que um génio rodeado de génios fizesse – trabalho infelizmente inacabado por um problema oficialmente descrito como um problema de coluna. E é de crer! Não há fracasso de génio que historicamente não se explique por problema de coluna.
É um caso inusitado, mas é sério. Inusitado, porque não há memória de que algum ex-Ministro tenha procurado, através de um opúsculo de inspector, o ressarcimento da imagem eventualmente ferida, e também o elogio público da genialidade não suficientemente reconhecida. Ninguém das Necessidades fez isso, desde Ruy Patrício, uns por prudente silêncio e homenagem ao Estado, outros, por certo, no receio de serem escrutinados como os gatos sobre brasas são. Mas, além de inusitado, o caso é sério porque este opúsculo de Freitas do Amaral, longe de ser um opúsculo curricular, também não é propriamente uma entrada na Wikipedia para que todo o mundo saiba. É um caso sério porque é um passo com meias-verdades. E quando se opuscula (do verbo opuscular) com meias-verdades, o caso é sério porque tais meias-verdades, partindo de um ex-Ministro agora inspector, obrigam a instituição diplomática a questionar e a questionar-se.
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