21 março 2007

Carta do Canadá. Fernanda Leitão. "Ir parar ao buraco"

PIADA PROFÉTICA

Fernanda Leitão

A tertúlia a que pertenci, na Brasileira do Chiado, por mais de 20 anos, tinha um número substancial de piadistas que resistiam a tudo. Até ao vendaval em que, a certa altura, se transformou a revolução de 25 de Abril de 1974. Um deles era o arquitecto José Segurado. Atirava pela boca fora autênticos petardos, sempre com uma cara deslavada.

Ora, num belo fim de tarde, um dos presentes, quando se fazia uma avaliação geral dos partidos políticos, anunciou que, por ele, pensava alinhar pelo CDS. Ninguém gritou, nem ameaçou, nem fez troça, e havia ali tantos da esquerda democrática, precisamente porque se repeitavam as opiniões de todos. Só que, muito sonso, o Zé Segurado disse ao candidato a centrista:
    - Tu é que sabes, mas olha que eu acho má ideia. Já reparaste bem no logo do partido? Eu acho que tanto dá ir pela seta da esquerda como pela seta da direita, porque se vai sempre dar ao buraco...
Foi uma risada geral. E ficou-se por aí.

Trinta e três anos depois, no remanso pacato da casa ao domingo, matando saudades da Pátria com um peixe no forno, a RTP-Internacional e a companhia certa dum amigo da minha Angola, de repente tudo parou e nós em primeiro lugar, quando deram em directo a balbúrdia CDS-PP. Já sabíamos o que eram claques de teatro e claques de futebol (estas bastante malcriadotas e arruaceiras), mas só ali ficámos a saber o que era uma claque de partido político constituída por marmanjões que se têm por educados, inteligentes, finos e desejados pelo povo português. Autênticos hooligans.

Ocorreu-me, de repente, que o Zé Segurado tinha sido um profeta. Aquele agrupamento partidário tem ido várias vezes parar ao buraco, ora pela esquerda, ora pela direita, mas sem barulho nem escândalo porque os seus dirigentes eram uns senhores.

Os seus herdeiros é que saíram desta fraca marca. Até uma senhora se afirma agredida. E o agressor negou, como convém, proclamando-se beirão. Se aquele é beirão, então os angolanos não passam de chineses.

Sim senhores, está em cena aquilo a que Eça de Queiroz chamava “a balbúrdia sanguinolenta da República”.

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