Briefing. Quem deseja ir longe poupa a montada.
Racine tinha razão.
Racine tinha razão.
1- Declaração prévia
2 - O estilo Paulo Bento
3 – O lema
4 – Parlamentos nacionais, diplomacia europeia com santos pelo meio, Presidente do Conselho, veto
5 - Referendo
- (Declaração prévia – A sala está cheia, muito obrigado. Depois destes meses de ausência é confortável sentir-vos em peso. Estou à vossa disposição. Mas antes, permitam certificar-me que a porta-voz da presidência portuguesa, Clara Borja, não está na sala.)
(Voz - Não está!) - Então podemos começar. - (O Tratado de Lisboa é legível ou ilegível?) – Desculpe a incorrecção, mas para si o que é?
(É ilegível, complicado, labiríntico…) – Aí está! Quem por ofício deve explicar à sociedade o resultado de uma negociação diplomática, não pode declarar-se incompetente e ignaro. Ou está no ofício, sabe, tem preparação e está apto a explicar, ou dá a vez a outro. Ler instrumentos diplomáticos não é propriamente folhear a revista Caras que é outra montada.
(Está muito agressivo!) – Se assim entende. Ninguém, nos principais jornais credíveis dessa Europa, escreveu que o ficou acordado e nos termos em que ficou, é ilegível, complicado e labiríntico…
(E em Portugal, escreveu-se isso?) – Escreveu-se. Levar a opinião pública a pensar assim, não define ofício. Quanto mais de nivela por baixo em Portugal, mais se lê o El País e o El Mundo, não estranhem, ficando-se a saber mais por linhas tortas o que Portugal perde a partir dos ganhos de Espanha do que pelas linhas estilo Paulo Bento.
(Está a referir-se apenas a jornalistas ou também a políticos?) – Naturalmente que também ou sobretudo a políticos.
(Dê um exemplo desse estilo Paulo Bento a propósito do Tratado e deixe-se de insinuações!) – Com todo o gosto. No estilo Paulo Bento, é assim: Foi uma vitória/ fizemos tudo para ganhar/ a alternativa era perder/ merecemos ganhar/ tivemos força moral/ averbámos o que era possível averbar/ os 27 são um grupo difícil/ mas o nosso objectivo/ passou por fazer melhor/ do que os outros 26 no passado/ o querermos fazer melhor do que no passado/ implicou ter dois objectivos/ continuar na Europa/ e passar à fase seguinte/ um objectivo é mais difícil do que o outro/ esta vitória contrariou os prognósticos/ não abdicámos em cada negociação/ discutir o resultado/ que é o que temos feito em todas as negociações/ Kaczynsk, Brown e Prodi são três jogadores que admiramos/ mas sabíamos que estavam do outro lado/ e por isso/ competiu-nos fazer melhor do que eles/ cedendo os flancos/ para tratarmos do tratado…
(… Basta! Basta!!! – coro de vozes) – Claro que basta! Apenas dei um exemplo.
(Mas esse Paulo Bento quem é? É do Conselho, da Comissão, negociador português) - Admito que não o conheçam - é o embaixador itinerante da filosofia nacional que já chegou às razões de estado que poupam a montada. - (Este Tratado de Lisboa é igual, ou apenas mais ou menos semelhante à defunta Constituição?) – Olhe, simbolicamente o lema foi retirado, mas o lema da União continua a ser aplicado com todo o rigor – Unida na Diversidade.
(E os restantes símbolos?) – Foram extirpados, mas nenhum dos 27 abandonou a sala lá porque a bandeira da União foi a única entidade que não bebeu Murganheira. Além disso, todos os 27 pagaram em euros despesas em Lisboa, até Miliband que foi à FNAC do Colombo comprar um CD com o Hino à Alegria da Nona Sinfonia de Ludwig Van Beethoven. Finalmente nenhum estado decretou arrancar do calendário a folha de 9 de Maio. Querem coisa mais legível, compreensível e menos labiríntica? Como sabem os britânicos adoram constituições não escritas… Foi-lhes feita a vontade. - (Deixe-se símbolos, vá ao que interessa. Como ficam os parlamentos nacionais na fotografia?) – Os parlamentos nacionais ganham poder de veto, podendo devolver à Comissão projectos que invadam as suas competências mas apenas se, em caso de tal oposição, somarem um terço de todos os parlamentos nacionais da UE.
(Quer dizer que…) – Quero dizer que é legível, compreensível e nada labiríntico. Se S. Bento deseja ir longe que poupe a montada. Portugal poderia ter-se batido por uma segunda câmara mas não teve montada.
(E quanto à diplomacia europeia? Há mesmo) – O Tratado de Lisboa também é claro – a política exterior comum recebe grande empurrão, com pequeno passo à Jean Monnet. O alto representante passa a ter uma crescente influência real, com o seu reconhecimento formal e acumulando a vice-presidência da Comissão. Ainda que não se intitulando MNE europeu, como dirá a sábia diplomacia do Vaticano, se o alto representante for um S. Francisco de Assis todo mandarão nele, até as pombinhas; mas se for um Tomás de Aquino, aí vem escolástica. É legível e nada labiríntico.
(Solana é S. Francisco ou S. Tomás?) – Javier Solana, se deseja ir mais longe, tem que poupar a montada.
(E quanto a essa figura de Presidente do Conselho?) – Voilà! Aí é que bate o ponto. O anterior tratado era escrito, com este, o de Lisboa, a Constituição vai sendo também não escrita. Na verdade já não estipula o macroestado europeu mas os passos vão nesse sentido ou no sentido da UE como instituição. A presidência da UE deixa de ser rotativa a cada semestre de estado – será assumida por uma mesma pessoa em mandatos de dois anos e meio, renováveis. Como sabem, nas constituições não escritas, um mandato de dois anos e meio renovável, dá cinco. Se, como os britânicos querem, o primeiro presidente for Tony Blair, haverá macroestado ou ele não seja Blair; se, como os franceses desejam, o presidente do Conselho for Claude Juncker, macroestado será a montada. Querem coisa menos ilegível, menos incompreensível e sem labirintos?
(Gostei do seu Voilà, pois o francês está em extinção. Mas quanto a essa complicada história do bloqueio de decisões? A UE ganha agilidade?) – Complicada? O senhor acha que o novo regime de decisões por maioria qualificada, para um bom número de matérias para as quais acaba a regra da unanimidade, é uma história complicada? Muito embora o direito de veto fique reservado para a política exterior, orçamental e fiscal – daí a importância do santo em serviço – maiores transferências de soberania vão ser um facto legível, compreensível e nada labiríntico.
(Esquece que em 2014…) – Não, não estamos esquecidos. Em 2014, a votação de decisões será por dupla maioria – o apoio de 55 por cento dos estados e que representem 65 por cento da população de toda a UE. Mesmo que a Madeira se torne independente, Gibraltar esteja resolvido e Paulo Bento seja MNE em 2014, não será por isso que as contas não serão legíveis, compreensíveis e nada labirínticas.
- (Parece que está contra o Tratado de Lisboa…) – O senhor é jornalista ou o referendo em pessoa?
(Estou aqui acreditado como…) – Então não se desacredite! Quem apoia o mais, apoia o menos, embora Portugal não possa dizer o mesmo que os espanhóis, preferindo falar como Paulo Bento.
(O que é que os espanhóis dizem?) – Que a Espanha foi a que mais lugares perdeu no Parlamento Europeu com o Tratado de Nice, e, agora, com o de Lisboa, foi quem mais ganhou. Bem, meus senhores, minhas senhoras, este briefing terminou. Falaremos do referendo em próxima oportunidade, seguramente antes de 2014.
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