- "A emigração, tal como as colónias, foi o maior fracasso do anterior regime – o que não surpreende, porque não respeitava nada nem ninguém. Lamento dizer, mas este regime está a caminho de deixar o mesmo legado."
Fernanda Leitão
MURALHA DOS DESENCONTROS
Porque são a mais concreta, directa e quotidiana imagem do nosso país no estrangeiro, porque também são os maiores fornecedores de dinheiro com que o nosso país tem contado desde há muitos anos, os emigrantes deviam ser considerados pelos governos os melhores aliados de Portugal, e mesmo até os únicos verdadeiros amigos de Portugal no mundo.
Assim sendo, parece que os emigrantes deviam, pelo menos desde a revolução de 1974, essa que se propôs pôr fim ao obscurantismo labrego da II República, ser considerados cidadãos portugueses de parte inteira, em tudo iguais aos que não puderam ou não quiseram saír do país. Igualdade não de paleio, mas de comparticipação na economia do país, através de investimento produtivo e não de depósitos bancários que só têm servido para o que, actualmente, está à vista. O Conselho das Comunidades, criado para verbo de encher por uma lunática de serviço ao regime, assim tem ficado, quando um mínimo de boa fé exigiria que houvesse vários deputados pela emigração, e por ela escolhidos livremente, sem interferência dos governos de Lisboa, gente que, no parlamento, pudesse ser de facto a voz dos que vivem cá fora. Se houvesse boa fé e decência, não atiravam à cara dos emigrantes os secretários de estado das comunidades que eles têm sofrido.
Nada foi correcto, nada é correcto, porque à falta de boa fé se somaram mais duas mistelas fatais: a incompetência e a falta de respeito pelos cidadãos portugueses que vivem fora do país. É preciso que isto se diga, com todas as letras, na vasta caixa de ressonância que somos nós, os 5 milhões de emigrantes. Porque Deus manda que se diga a verdade e porque vai sendo tempo de se acabarem as manobras manhosas dos chicos espertos que enxameiam governos e empresas públicas, isto é empresas do estado a que Portugal chegou.
Volta e meia, lá aparecem os chicos espertos a organizar reuniões e seminários em Lisboa, para as quais convidam emigrantes representativos das comunidades, a quem acenam com programas cheios de boas promessas de intercâmbio fecundo. Gastam rios de dinheiros aos cofres públicos, esses que os emigrantes ajudam a manter. No final, é sempre a mesma desorganização, é o programa todo falhado e substituído pela fancaria do momento, é o mesmo desleixo em relação às condições em que os convidados estão alojados, num desrespeito completo que tresanda àquela velha frase boçal: “para quem é, bacalhau basta”. Nem ao menos, por um segundo, pensam que essas pessoas regressam cansadas, esgotadas, com uma péssima imagem do país actual. E que, sendo figuras destacadas nas suas comunidades, a seu tempo dirão de sua justiça através da comunicação social, na roda dos seus familiares e amigos. Isto tem vindo a repetir-se, no Continente e Ilhas, e só os penduras profissionais é que não se queixam, porque para esses o que é preciso é viajar de borla e arranjar “encostos” em Portugal.
A emigração, tal como as colónias, foi o maior fracasso do anterior regime – o que não surpreende, porque não respeitava nada nem ninguém. Lamento dizer, mas este regime está a caminho de deixar o mesmo legado.
A emigração portuguesa dispensa muros de lamentações, mas também passa bem sem representar o papel de muralha dos desencontros.
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