26 maio 2008

Como é que Bemba obteve o visto?

Na foto: Bemba com o então presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, e com o comissário europeu Louis Michel, em Março de 2007.


Quando Jean-Pierre Bemba se instalou na Quinta do Lago, foi dito e repetido que a sua vinda para Portugal, seria por motivos de saúde e para tratamento médico, pelo que, por hipótese, teria podido por esse pretexto beneficiar de um visto de estada temporária.

Além disso, Bemba poderia ter aportado a Portugal, com um visto de residência temporária (que não é estada) e, embora nesta categoria os vistos se fundamentem com finalidades precisas que dificilmente poderia invocar, estava em todo o caso ao seu alcance a obtenção de um visto especial em posto de fronteira.

Para a atribuição deste visto especial, a lei é clara:

  1. - por razões humanitárias ou de interesse nacional (reconhecidas por despacho do ministro da Administração Interna ), sendo tal visto especial válido apenas para o território português.
  2. - caso o cidadão estrangeiro seja titular de um passaporte diplomático, de serviço, oficial ou especial, ou ainda de um documento de viagem emitido por uma organização internacional (o que pode ter acontecido com Bemba), caso em que é consultado o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Mas não. Cravinho confirma e não deve ter-se equivocado, que Bemba, além de não ter recorrido à lei do direito ao asilo, tem permanecido em Portugal com uma autorização de residência temporária, o que não é um visto de estada nem visto de residência (este visto de residência destina-se a permitir a entrada em território português a fim de solicitar a autorização de residência). Foi mesmo, portanto, uma autorização de residência temporária, alternativa legal da residência permanente.

Esta autorização de residência temporária, pela lei, é válida pelo período de um ano contado a partir da data da emissão do respectivo título, é renovável por períodos sucessivos de dois anos, e pode ser atribuída (tal como o visto especial) por razões excepcionais:

  1. - por razões de interesse nacional, que não devem ter sido no caso de Bemba
  2. - por razões humanitárias, que até podem ter sido;
  3. - por razões de interesse público decorrentes do exercício de uma actividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social, o que não foi, como parece ser óbvio.

Fosse por aquilo que tivesse sido, a decisão do ministro da Administração Interna, tomada ao abrigo do regime excepcional, teria que, pela lei, ser devidamente fundamentada. Tais fundamentos não são conhecidos.

Mas, pormenor importante, os requisitos legais para a concessão da autorização de residência temporária a Bemba, entre outros deveria obedecer ao requisito da inexistência de qualquer facto que, se fosse conhecido pelas autoridades competentes, devesse obstar à concessão do visto.

Este requisito, que certamente foi ponderado na decisão sobre Bemba, prende-se directamente com as razões que a lei estipula para o afastamento de estrangeiros do território nacional, ou seja para a sua expulsão.

Pelo que vigora, deve ser expulso um estrangeiro cuja presença ou actividades no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português; além disso que tenha esse estrangeiro praticado actos que, se fossem conhecidos pelas autoridades portuguesas, teriam obstado à sua entrada no país, e, sem apelo nem agravo, quando em relação a esse mesmo estrangeiro existam sérias razões para crer que cometeu actos criminosos graves.

Dá-se o caso do Tribunal Penal Internacional estar a investigar Jean-Pierre Bemba desde Maio de 2007, sendo Portugal estado-parte desse organismo. Não está em causa o dever de cooperação de Portugal com o TPI e o deste com Portugal que tem uma autoridade competente para esse diálogo (a Procuradoria-Gerla da República), o que está em causa é saber-se se ou quando Portugal tomou conhecimento de existirem sérias razões para crer que Bemba cometeu actos criminosos graves. Mais: se aquele requisito da inexistência de qualquer facto que, se fosse conhecido pelas autoridades portuguesas competentes, deveria ter obstado à concessão do visto, foi acautelado e a partir de que momento poderia ou deveria ter sido escrutinado.

Por ora,não se pode dizer mais nada, porque também não se sabe. Mas o esclarecimento impõe-se, antes que as interpretações se compliquem.

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