29 setembro 2008

CARTA DO CANADÁ ■ Fernanda Leitão, claro.

O VOTO DOS EMIGRANTES


Fernanda Leitão

Já tenho ouvido políticos, e alguns com responsabilidades governamentais, dizerem que o voto dos emigrantes é muito importante. Ao dizê-lo, não se mostraram contrafeitos e não se riram, como compete a profissionais do espectáculo. Ou como diz certa boémia de Lisboa, tudo à séria como os doidos.

Se não fossem tão completos profissionais do espectáculo permanente em que transformaram a política que devia servir o povo, com competência e honradez, não seriam capazes de tal desvergonha. Porque foram eles que, ao fazerem das eleições uma fraude grotesca, um arraial de golpadas, tornaram inútil o voto dos emigrantes. Tão inútil que são pouquíssimos os que o praticam, certamente por terem interesse imediato nisso.

Mas vamos começar pelo princípio: a partidarização das comunidades emigrantes. Os partidos sediados em Lisboa têm de arranjar emprego aos seus militantes e encaram as comunidades emigrantes como um emprego como outro qualquer. E é assim que mandam por esse mundo fora aqueles que precisam de ser colocados, a fazer a sua campanha eleitoral que, em geral, é uma cornucópia de promessas. Salvo honrosas excepções, essas aves de arribação que pousam nas comunidades, de tantos em tantos anos, são da mais absoluta ignorância no que respeita ao fenómeno da emigração. Mas, descarados, afagam a vaidade de quem os ouve, dão-se ares de intimidade popular com o operário que a Pátria não quis, prometem mundos e mundos aos pais e filhos. Numa palavra, dividem as pessoas. Porque, passadas as eleições, não há nada para ninguém e fica tudo na mesma, só restam ressentimentos. Tudo piora com uns secretários de estado das Comunidades que têm saído melhores do que a encomenda. Ou aterram por cá com uma cesta de medalhas para os afilhados e desencaminham padres dados à vaidade e à ambição, ou de serem políticos ou de serem cavaleiros da nobreza, sem o mínimo pudor do dano que causam ao povo de Deus. Ou fazem-se mansinhos e cordatos na primeira fase do mandato, para logo após se tornarem hóspedes de cama e mesa dos ricaços, sem os incomodar donde vem o dinheiro, rematando a sua carreira com as mais baixas traições. Ou, de pouca inteligência e voraz ambição partidária, andarem aos saltinhos, num completo desnorte. Algumas vezes, para a desgraça ser completa, encontram almas gémeas no corpo diplomático.

Como se faz o recenseamento eleitoral? Nos consulados, em horário de funcionário público, em lugares de estacionamento raro e caro. Onde se realizam as eleições? No mesmíssimo local apontado anteriormente. Resultado: abstenção a atirar para os 90%.

Se o voto dos emigrantes fosse importante para o país como dizem estes farsantes, os deputados da emigração eram escolhidos no terreno pelas próprias comunidades, os consulados organizariam brigadas de tarefeiros para fazerem o recenseamento e procederem às eleições em salões de igrejas ou de clubes, depois das horas de trabalho destes homens e mulheres que trabalham duramente de sol a sol. O grupo de emigrantes escolhido através do voto não pertenceria a partido nenhum, seria independente. E só assim, com independêcia, se bateria pelas comunidades no parlamento.

Mas como não é assim, e toda esta conversa da treta dos políticos se resume ao tacho que é preciso dar a uns quantos, acho-me no direito de perguntar: porquê essa gritaria toda por causa da anulação do voto por correspondência dos emigrantes, um balúrdio de dinheiro para um punhado de votos? Faz alguma diferença? Vendo-os e ouvindo-os pela TV, acabo sempre a pensar no meu colega Zé Sampaio, um dos saneados do Diário de Notícias, em 1975, pelo Saramago. Ele, quando ouvia desaforos destes, cruzava os braços e dizia ao desavergonhado: “Não sei se me ria, se te parta os cornos”.

Ser português é, também, ser lúcido e dizer NÃO à partidocracia reles que nos governa. Nesta história dos emigrantes, não há nenhum partido inocente.

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