Também, nos anos 90, rebentou um escândalo na comunidade portuguesa de Toronto quando alguns homens apareceram a queixar-se de terem sido abusados em crianças por dois colaboradores da paróquia que frequentavam, sendo que os abusos teriam sido cometidos dentro da própria igreja perante a ultrajante indiferença do padre responsável que, somadas as contas, protegia os pedófilos. A polícia investigou, o caso andou pelos tribunais, o padre foi, em 24 horas, expulso da paróquia em que trabalhava e convidado a não mais celebrar actos religiosos em público.
CARTA DO CANADÁ
Fernanda Leitão
PEDOFILIA E IGREJA
Ultimamente têm-se sucedido denúncias de pedofilia cometida por sacerdotes católicos na Alemanha, Áustria, Holanda, Estados Unidos, México e Brasil. Tudo leva a crer que a procissão vai ainda no adro e muitas outras denúncias aparecerão no rio imparável dos meios da comunicação social. Uma das denúncias apareceu sob a forma de banda desenhada e contava a experiência do seu próprio autor, Philipe Girard, filho de pais divorciados que foi entregue aos cuidados de um colégio interno francês. Tinha 12 anos e foi assediado por um dos professores, justamente o mais influente e o que organizava um passeio anual com estudantes, mas resistiu e teve a sorte de ter uma mãe a quem podia abrir a sua alma. Mudou de colégio e, anos mais tarde, quando rebentou o escândalo, foi testemunha contra esse padre, que acabou por ser preso. A banda desenhada demonstra como era tecida a rede da manipulação dos jovens. A advogada que defendeu algumas das vítimas, declarou publicamente: “Se a Igreja Católica não aprende agora a lição, nunca mais aprenderá”.
Há dias, no Toronto Star, diário canadiano de expansão nacional, fortaleza de milhão de excemplares diários, uma professora emérita de Bioética na Dalhousie University, de Halifax, Nuala Kenny, declarava à reportagem sobre o que foi chamado de “tsunami de abusos sexuais que atinge a Igreja Católica”: “Quem quer que esteja atento tem de saber que, há pelo menos 20 anos, havia uma maneira certa de lidar com este caminho errado”. E explicava que não se pode negar o inegável ou, em linguagem corrente, esconder o lixo debaixo do tapete. Nuala Kenny está em boa posição de assumir estas declarações porquanto foi, em 1990, membro de uma comissão organizada pela Igreja Católica canadiana para averiguar o alegado abuso sexual cometido pelos Christian Brothers, ordem religiosa que, na Terra Nova, tinha tido a responsabilidade do orfanato de Mount Cashel, entre 1970 e 1980. Dois anos depois, a Prof. Kenny tornou-se membro de uma comissão ad hoc da iniciativa da Conferência Episcopal Canadiana, donde saíu o relatório Da Dor Para A Esperança que levou a que a Igreja e o governo da província do Ontário concordassem numa indemnização de 40 milhões de dólares a 1600 vítimas de abuso sexual em duas escolas na região de Toronto e Otava. A polícia encarregou-se de 200 queixas-crime de que resultaram 15 arguidos que a justiça veio a condenar. Esta decisão foi aplaudida pelo país. E tem razão o padre John Lotus, que fez parte da mesma comissão, quando afirma: “Os bispos canadianos podem orgulhar-se da maneira como conduziram este assunto. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo em relação ao resto do mundo”. Também, nos anos 90, rebentou um escândalo na comunidade portuguesa de Toronto quando alguns homens apareceram a queixar-se de terem sido abusados em crianças por dois colaboradores da paróquia que frequentavam, sendo que os abusos teriam sido cometidos dentro da própria igreja perante a ultrajante indiferença do padre responsável que, somadas as contas, protegia os pedófilos. A polícia investigou, o caso andou pelos tribunais, o padre foi, em 24 horas, expulso da paróquia em que trabalhava e convidado a não mais celebrar actos religiosos em público.
Foi um caso que fracturou para sempre a comunidade portuguesa, na medida em que ficou claro quem era cúmplice por venalidade, por interesses e negócios com o padre, ao mesmo tempo que marcava o maior afastamento dos jovens portugueses.
A Igreja Católica, fundada por homens e mulheres que viram e ouviram Jesus Cristo, que com ele comeram o pão quotidiano e sofreram as amarguras do Calvário, homens e mulheres que tomaram sobre si a cruz de manter viva a lição do Mestre, tem, ao longo dos séculos, sofrido algumas dores provocadas pelo barro humano. Nada de mais natural. Esse barro humano tem, por vezes, impedido a Igreja de lidar saudavelmente com a natureza dos homens, levando a esconder o que não deve ser escondido. O abuso sexual, cometido por não importa quem, é sempre um crime. Cometido por um sacerdote é um crime que brada aos céus. Se à Igreja compete ajudar e perdoar, compreender e curar, não é menos certo que faz parte da cura a punição dos prevaricadores, elementar compensação de crianças inocentes que sofreram às suas mãos. Se a César o que é de César, à Igreja o que é da Igreja, à Justiça o que é da Justiça.
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