Sei que já passou algum tempo, mas como ainda estou a adaptar-me a estas coisas das novas tecnologias, só agora consegui olhar com mais atenção para os papeis do orçamento do reino. E deixe-me dizer-lhe, meu caro, que tive uma surpresa. Boa, mas uma surpresa. Ao fim de todos estes anos, os 22 milhões de euros (nem sei quanto isso é em moeda do meu tempo) de receitas do Fundo para as Relações Internacionais foram transferidas para os orçamentos de investimento e da secretaria-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Parece que apesar de o FRI ter como objectivo a promoção da política externa do reino, o dinheiro vai suportar projectos de investimento e também encargos com o financiamento do abono de instalação, viagens e transportes e assistência na doença previstos nos artigos 62.º, 67.º e 68.º do Estatuto da Carreira Diplomática. É uma grande mudança. Quer dizer... se calhar não. Está aqui ao meu lado o interino de 1936, o António de Oliveira, a dizer-me que, em boa verdade, essas verbas já eram usadas para tapar todos os buracos e mais alguns e que, se existissem no tempo dele, ele próprio as teria usado para ir até África, não em força, mas devagarinho. Bom, afinal parece que esta medida só vai tornar as contas do Palácio das Necessidades mais transparentes e obrigar o meu sucessor Sacadura Cabral a cumprir o orçamento. Mas agora estou eu aqui a pensar com a minha lápide, meu caro: como é que se torna mais transparente uma casa onde tudo é secreto e onde essa classificação está ao alcance de tantos? Como, meu caro? Como?
Ministro Plenipotenciário Marco António
5 comentários:
Ora aí está a razão porque Portas aceitou um corte relativo tão elevado ( o segundo na ordem dos ministérios), em cerca de 10%. Deixa cortar com uma mão e arrebanha com outra. Inteligente o Ministro sem dúvida!
E o que o António em 36 faria era há muito por as receitas do FRI como Receita do Estado. Há ainda muita gordura. Só que quando na oposição vêem-se e no poder como por milagre ensaiam uma cegueira.
Concordarei, inevitavelmente, com a perspectiva de que as receitas do FRI deveria ter uma utilização mais racional. Todavia, o MNE/Estado português deveria assumir as suas responsabilidades, nomeadamente em matéria de cumprimento do estipulado no Estatuto da Carreira Diplomática. Mas, já agora e a propósito, saberão,por acaso, há quantos anos não são actualizadas as representações e os vencimentos da carreira?
E, para os que julgam que os diplomatas são dos tais funcionários públicos ( que coisa horrível esta de funcionários ) responsáveis pela crise e, que andaram a viver acima das suas possibilidades apenas esta informação, um adido acabado de entrar no MRE brasileiro aufere um vencimento mensal um pouco superior a R$16 000, ou seja, o equivalente a €6 611 à taxa do dia. Compara-se este salário com o de embaixador português em final de carreira.
Pobre e feios mas com muito absolutamente!|
O historial do FRI é outra das “pérolas” das Necessidades...Um advogado, bem versado em escaramuças com o MNE, relatou-me uma experiência havida em tempos idos com a FRI, e o embaixador que a presidia. O pomo de discórdia pairava no Relatório do Fundo para as Relações Internacionais, ou seja, na acta onde se relatam e explicam as entradas e despesas da FRI. À vista desarmada, tudo parecia justificado e corroborado: com cada página rubricada no canto superior direito pelos membros do Conselho de Direcção...
Existia apenas um minúsculo pormenor que permitiu resolver o caso com uma simples comunicação telefónica do advogado ao embaixador responsável.
As rúbricas designavam nomes diferentes, certo, mas a caligrafia era idêntica para as três, e, nem fora disfarçada. O “protestante” foi imediatamente satisfeito, o caso nem precisou de transitar para o tribunal administrativo. O Ministério absteve-se, por uma vez, da seu jogo favorito: apelar indefinidamente a todos os processos que perde.
Dinheiros mal explicados não são excepção na adminsitração pública, mais lamentável é a precariedade da camuflagem, essa falta de cuidado com que o MNE trata da sua imagem.
Não me parece que os fundos arrecadados pelo FRI devam servir a aumentar os diplomatas, conselheiros, enviados, alimentar caixas mútuas de classe, etc, mas sim custear as estruturas de apoio às comunidades portuguesas, os professores, os projectos, etc.
Não nos esqueçamos que os milhões de euros do FRI provêm do pagamento dos emolumentos por todos aqueles que recorrem aos serviços consulares.
E neste momento em que vieram a público notícias de desmantelamento de rede consular nos países onde se verifica um surto de emigração recente considerável, rescisão de contratos de professores que deixam alunos no vazio ou a meio do ano escolar, afigura-se-me existirem outras pistas de aplicação destes invejados fundos.
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