01 outubro 2011

Madeira e independências...

Volta e meia, como pretexto oportunista ou como objetivo velado, a questão da independência encapela as águas da Madeira. De qualquer forma, até agora não se registou um pedido de referendo ou de qualquer consulta sobre a matéria, ultrapassada que foi aquela fase de atentados seletivos supostamente justificados pela pretensão independentista mas que, sabe-se agora à distância, mais não foram do que acertos de contas extra-judiciais cujos autores, uns conhecidos outros não e também alguns menos ingénuos que outros, ficaram rodeados de impunidade por todos os lados, na clássica definição de ilha.

Agora, a propósito da inconcebível ocultação de contas públicas, não se fala bem em independência mas ameaça-se veladamente como se o querer a independência, com o assunto de a poder ter à parte, fosse uma arma. A psicologia dos pré-adolescentes explica a atitude que é semelhante à dos desesperados por culpa própria, mas em política e sobretudo quando ela é exercida com uma rede de coniventes em momento eleitoral, a explicação das atitudes não esclarece absolutamente nada, antes pelo contrário tem o efeito de boomerang sobre a cabeça de quem ousa explicar. E até já é costume ou corrente em Portugal aceitar-se que quem tem o domínio dessa artimanha é "politicamente experiente".

Ora a independência da Madeira tem funcionado sempre como cenoura à frente do burro mas de forma simulada: é o próprio burro que a coloca porque ao animal convém que os circunstantes ou espetadores da tração acreditem que ele tem condutor, ou duce, e que é o duce ou condutor que faz avançar ou recuar a cenoura conforme os impulsos de sua inteligência.

Postos de lado todos os episódios simuladamente pró-independentistas, recentes ou não, que apenas ilustram o atraso da política portuguesa, sobretudo o atraso institucional, há um momento relevante para o retrato do burro que controla a sua própria cenoura. Esse momento é o de quando a assembleia madeirense aprovou um voto de congratulação da autoria do PSD/M pela independência do Kosovo, que contou com o voto favorável do Bloco de Esquerda e abstenção dos restantes partidos da oposição. Foi a 19 de fevereiro de 2008, portanto quando já se ocultavam contas, quando os poderes em Lisboa já sabiam que as contas eram ocultadas e quando um complexo jogo de conveniências jamais esclarecidas por sua natureza própria, sugeria às claras a permissão da ocultação. Estava-se longe disto.

Na moção aprovada, dizia-se que "A Assembleia Legislativa exprime a sua congratulação e solidariedade com a independência do Kosovo", explicitando-se que "para além da situação de contiguidade territorial não impedir a legitimidade da independência do Kosovo, de facto, aí, como noutros locais, verifica-se a imposição de fora do território, de um estatuto político que a população kosovar rejeitava". Lá estava a cenoura: "aí, como noutros locais"... Quais? A moção não referiu mas os locais não eram assim tantos que provocasse um cansaço cerebral enumerá-los, pois à exceção do Sudão do Sul onde de resto ainda não tinha havido qualquer consulta, ou, vá lá, Gibraltar, mais nenhum local estava nessas condições, a não ser a sugestão contornada de que a Madeira seria o local com o Kosovo a servir de mero pretexto para um acercamento da cenoura à boca do bicho.

E é verdade que, nessa ocasião, apenas o deputado do CDS/PP, José Manuel Rodrigues, deu pela manobra pré-adolescente ao afirmar com todas as letras que o promotor da moção, o PSD/M, pretendia "implicitamente fazer associação entre a questão do Kosovo e a evolução político-constitucional da Região Autónoma da Madeira".

E num momento em que Portugal ainda não tinha definido uma posição nem se previa qual fosse dadas as posições divergentes sobre a questão, a moção da Madeira, suscetível de pôr em crise a unidade da imagem externa do Estado sobre matéria em que o conclave do Funchal não é competente, nem sequer o Palácio das Necessidades pôs ordem no assunto, como poderia e deveria ter feito, caso se quisesse evitar uma briga institucional de patamar mais elevado, que é sempre o que está na calha, com Kososvo ou sem Kosovo, sob a forma de chantagem, ou a cenoura com que o burro simula avanços e recuos não seja uma cenoura deveras - é dessas de plástico, de carnaval, mas fazendo de coisa séria e que pode ser séria, a continuar demasiado a ocultação da burrice.

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