07 novembro 2011

"Se bem me recordo..." diz Marco António

Meu caro,

Como o meu sucessor Sacadura Cabral não teve a delicadeza de me convidar para um dos seus almoços ou reuniões de trabalho com os seus antecessores, não tive a oportunidade de lhe fazer algumas considerações que julgo oportunas. Assim sendo, como não tenho o endereço de email pessoal dele e atingi um estatuto que me permite dispensar a intermediação de adjuntos ou assessores, resolvi usá-lo como intermediário, sabendo de antemão que este texto vai ser lido pelos olhos atentos do gabinete ministerial que o mantém a par do que é dito nas Notas. Tenha a bondade de me perdoar.

Caro Sacadura Cabral,

Vejo pelo sorriso de criança que esboça a cada deslocação que não podia estar mais feliz do que a usar o fato de Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino. Talvez a roupa de primeiro-ministro lhe enchesse ainda mais as medidas mas, como sabe que tal seria extremamente difícil através do partido que escolheu para lançamento da carreira política pós-jornalismo, ser o líder supremo da diplomacia portuguesa é algo que salta à vista estar a deixá-lo em êxtase. É compreensível. Trocou as visitas quase diárias às feiras, que o seu próprio irmão já disse não serem o seu habitat natural, pelas reuniões da alta roda da diplomacia mundial. Deixou de planear as idas aos mercados para passar a coordenar reuniões no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Desistiu de criticar o governo pelo aumento de impostos para comentar com pose de estadista o desenrolar das cimeiras europeias. No fundo passou a ter uma agenda preenchida com contactos interessantes, a movimentar-se entre a elite mundial, a ter acesso a informação privilegiada. Além disso, o cargo permite-lhe movimentar-se a um nível superior aos seus colegas de governo do Reino. Estar em viagens constantes nunca fez mal a ninguém. Muito menos ao líder do partido mais fraco da coligação. A imprensa não é má e a popularidade mantém-se elevada. No entanto, ser ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino é muito mais do que isso. E é também muito mais do que ser o ministro dos Negócios feitos no Estrangeiro. É perceber que há prioridades da política externa que se mantém mais ou menos intocáveis ao longo dos anos, é perceber que não é do interesse português alinhar sempre com os mais fortes actores internacionais, é perceber que Portugal sempre valeu mais do que a sua dimensão poderia indicar por ser um fazedor de consensos, é perceber que uma política externa consistente não pode estar refém de uma navegação à vista em que se vai decidindo conforme a ocasião, é perceber que o futuro de Portugal está mais nos mercados asiático, africano e latino-americano do que no europeu, é perceber que há muito tempo que a política externa portuguesa não tem uma causa unificadora como foi a de Timor Leste, é perceber que o Conselho de Segurança da ONU não pode ser apenas usado como uma feira de vaidades de quem lá vai discursar para aparecer na televisão e mais tarde contar como foi nas memórias e é muito mais do que aquilo que se tem visto desde que o meu caro passou a sentar-se nessa cadeira que já foi minha e de tantos outros. Acima de tudo, é preciso ser-se coerente e digno da confiança dos nossos amigos e potenciais aliados. E é aqui que o meu caro tem um duplo problema. O primeiro é que os africanos, latino-americanos e asiáticos não o levam demasiado a sério porque eles vêem o mundo à imagem do que se passa nos seus próprios países: ou seja, apesar dos seus fatos beijes e sorriso fácil, para eles quem manda realmente é o primeiro-ministro. E é com Passos Coelho que eles querem fazer os acordos que contam. O segundo tem a ver com a credibilidade interna. Por mais que o meu caro vista o fato de Estadista, aqueles que têm memória e que ainda por aí andam não lhe perdoam as tropelias que promoveu enquanto dirigia o defunto semanário O Independente e o que escreveu sobre aqueles que estavam no lugar que agora ocupa. Por outro lado, como podem aqueles que estão ao seu redor confiar num homem que jurou a pés juntos que não deixaria o jornal que ajudou a fundar enquanto não vendesse mais um exemplar que o rival Expresso e que, além de o ter feito, agora usa esse mesmo Expresso como se fosse a Folha Oficial do Palácio das Necessidades? Como, meu caro?

Ministro Plenipotenciário Marco António

1 comentário:

Anónimo disse...

A transparência, a velha tarnsparência: Nunca se apurou quanto é que Amado apurou em ajudas de custo mensais. Amado foi o verdadeiro ministro-ausente do Ministério, em constantes viagens, e talvez o apuramento deste montante ajudasse a explicar ter abertão, tão cedo, as portas aos corredores dopoder ao PPD. Em nome da tarnsparência divulgue-se quanto é que Amado arrecadou mensalmente em ajudas de custo. E talvez se perceba o resto.