08 julho 2012

E com a devida vénia...

Do jornal


A propósito da visita do ministro Paulo Portas


Por  | 6 Jul 2012 |  
Oministro Paulo Portas está, esta semana, na China à frente de uma delegação de empresários portugueses, visita destinada a estimular a relação de parceria estratégica existente entre Portugal e a China. Relação há algum tempo mantida, em lume brando, mais por responsabilidades da parte portuguesa do que da parte chinesa.
Sendo esta a sua primeira visita à China é certeiro dizer-se que o líder do CDS-PP terá encontrado um país bem diferente daquele que é descrito nos reportes da imprensa europeia e nas sinopses do Partido Popular Europeu. Um país com um pé na modernidade e outro pé na herança traumática do igualitarismo marxista. Experiência bem recordada nos incidentes desta semana, na província de Sichuan, curiosamente ao tempo da visita oficial a Hong Kong do Presidente Hu Jintao.
Nada na China é o que parece à primeira vista. Debaixo das evidências insinua-se uma realidade conturbada, mesclada de branco e preto, onde forças tectónicas se movem “por debaixo dos panos” projectando interesses que têm pouco a ver com as premissas ideológicas do regime comunista e com os interesses de um ponto quatro biliões de cidadãos chineses.
Tenho nesta coluna (e noutros lugares) chamado a atenção para as enormes transformações que têm tido lugar nos últimos trinta anos nesta parte do mundo e para a urgência do nosso país ter aqui um pé. Mudanças tanto políticas como sobretudo de natureza económica e social.
A China que os empresários portugueses encontraram tem pouco a ver com aquela que algumas dezenas de delegações empresariais, vindas à China no tempo da administração portuguesa, lobrigaram. Nesse tempo, a China prosseguia uma política de captação do investimento directo estrangeiro indiferenciado ao abrigo da qual empresas dos ramos dos têxteis, dos produtos manufacturados, dos consumíveis procuraram a sua sorte.
Esta política terminou. Como é claro pelos documentos oficiais e pelos discursos dos líderes não há mais oportunidades para este investimento “grosso”, à medida que a China se movimenta de uma economia fundada no sector das exportações para uma economia catapultada pelo seu consumo interno. Já o perceberam as empresas norte-americanas e algumas empresas europeias que começaram a transferir as suas unidades industriais (automóveis, por exemplo) para os países de origem.
O que a China quer agora são empresas de média e alta tecnologia que possam ajudar a sua subida no processo de valor industrial, através de transferências de tecnologia de ponta e da banalização de práticas de inovação que ajudem o seu tecido industrial a ser competitivo, numa nova gama de sofisticação. Empresas que possam sobreviver num mercado muito protegido e que resistirá por muito tempo às pressões externas para se afinar pelas regras de não-discriminação e livre concorrência que decorrem do acervo normativo da Organização Mundial de Comércio. Empresas que consigam sobreviver em condicionalismos de nula ou reduzida protecção dos direitos de propriedade intelectual.
Não sei se há empresas portuguesas disponíveis para competir desta forma. Fala-se muito nas PME portuguesas mas como demonstra a prática destes últimos vinte e cinco anos é suicidário entrar-se um mercado como o chinês, indo-se sozinho, contando com as suas próprias capacidades, sem um ponto e ancoragem com quem controla ou pelo menos tem acesso ao mercado de distribuição, sem um conhecimento preciso das práticas negociais e de quem manda.
Algo que mudou também na China foi a evolução de uma economia virada para dentro, para a captação de investimento directo estrangeiro, para uma economia projectada para fora, dirigida a encontrar pontos para amarrar a sua expansão em mercados bem seleccionados, inteligentemente identificados. A China prossegue, neste tempo, um caminho muito similar ao do Japão e da Coreia do Sul nas décadas de 60 e 70 tomando participações em empresas europeias, detendo importantes “assets” em carteiras de aplicações nos principais fundos de investimento mobiliário dos países desenvolvidos. A sua extraordinária liquidez, num mundo em crise financeira há cerca de um ano e meio, torna-a um parceiro incontornável.
E é aqui que surge uma enorme oportunidade conjuntural para Portugal se souber “vender” as suas oportunidades de investimento nos sectores de energia, da banca, dos seguros, das telecomunicações, da água, dos serviços em geral. O investimento chinês na EDP é um primeiro passo que deve ser seguido.
Esta é, como não me tenho cansado de escrever nos últimos vinte anos, uma relação bilateral, “olhos nos olhos”, baseada numa relação de confiança, que tem de ser alimentada e acarinhada. Portugal não pode ir para as reuniões da Comissão Bilateral sem temas para a agenda, colocando-se na posição reactiva de responder por um “vamos pensar” às propostas chinesas. Esta postura negocial cansa, satura, desilude. Portugal não está sozinho no cômputo europeu. Tem quatro países bem à sua frente (Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália) “batendo” toda a oportunidade de negócio, fazendo as coisas acontecer, com uma máquina burocrática e diplomática bem oleada.
Último ponto, Macau. Macau foi importante nas duas primeiras décadas das relações bilaterais, quando pouco se conhecia da realidade chinesa. Ajudou a criar relações, circunstâncias, oportunidades. Lembro o IPIM e o Fórum da China com os Países de Língua Oficial Portuguesa, nesse contexto.
Esse ciclo terminou. Em Macau ficou a herança histórica, linguística e arquitectónica, o Estado de Direito, a maneira de viver, o cosmopolitismo. Macau é jogo e casinos, o resto é paisagem. Enquanto este balão de oxigénio existir Macau sobreviverá; quando esvaziar, entrará em significativo definhamento. A sua sorte está há muito traçada: engolida pela Província de Guangdong.

3 comentários:

Anónimo disse...

Comentário excelente.

F.

Anónimo disse...

Na verdade, querer entrar na China como quem vai conquistar Ceuta, só se admite no paleio de feira.
Maria Z.D.

Anónimo disse...

É que tem que se por o Instituto Diplomático a funcionar. Não basta ter um Director sem c. Há que lhe dar os meios e a ambição. Senão é só conversa...