04 dezembro 2003

Cesário tem toda a razão: não deve demitir-se

José Cesário não deve temer o desafio de Augusto Santos Silva. Deve continuar a ser as duas coisas que é: Secretário de Estado e a dizer em cada dia uma verdade.

Cesário, sobre esse imbróglio da proposta de alteração do regime excepcional de acesso ao ensino superior (vulgo: cunha) é de facto coerente.

  • Onde é que estão as contradições?

    - ao Expresso, num primeiro momento, garantiu que «recebeu instruções formais do gabinete do MNE»;

    - pouco depois, ao Público, afirmou que «os serviços do MNE fizeram-se chegar isso, não me lembro quem»;

    - à Rádio Renascença, na hora do demite-se não demite de Martins da Cruz, assumiu como apenas sua a iniciativa;

    - no Parlamento, há dois dias, disse já que fez «isso» em nome do Ministério dos Negócios Estrangeiros» e do então titular da pasta, Martins da Cruz, responsabilizando este e argumentando que é normal que um secretário de Estado cumpra instruções de um ministro, o contrário é que seria inaceitável»;

    - ainda no Parlamento garantiu que a discussão sobre o diploma a 21 de Julho «não foi conclusiva» tendo-o remetido novamente ao ministro Martins da Cruz.

  • E é de recordar que:

    - Martins da Cruz, antes de se demitir, em comunicado oficial, garantiu que, nesse fatídico 21 de Julho, José Cesário, que representava o Ministério dos Negócios Estrangeiros no Conselho de Secretários de Estado «apresentou, verbalmente, uma proposta sugerida pelos serviços do MNE no sentido de alargar o âmbito de aplicação do Artigo 8º, tendo a análise do diploma sido adiada por 15 dias»

    - e que «uma semana mais tarde, há uma comunicação por e-mail do gabinete do MNE reproduzindo, em forma escrita, a sugestão apresentada pelo Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, na reunião de Secretários de Estado de 21 de Julho»

    - e ainda que, no dia a seguir, por indicação expressa de Martins da Cruz, ausente do país em férias desde 29 de Junho, «o Gabinete retira a sugestão formalizada na véspera»

    - mais diz o comunicado do MNE: quando os serviços do ministério propuseram um aditamento ao artigo 8º de um futuro Decreto-lei, «foi o próprio Ministro que, ao tomar conhecimento do facto 24 horas depois, deu instruções expressas em sentido contrário, não tendo, por isso, a mesma alínea sequer sido incluída em qualquer das sucessivas versões do diploma».

  • Confrontadas as duas verdades, é fácil perceber...

    - que, para Cesário, instruções formais do gabinete do ministro, coisa vinda dos serviços do MNE ou do próprio ministro seja tudo a mesma verdade, conforme seja o Expresso, o Público, a Renascença e o Parlamento;

    - que, ainda para Cesário, não se lembrar em Agosto de quem lhe fez chegar «isso» e recordar-se em fins de Novembro que foi exactamente o próprio ministro, é também tudo a mesma verdade, variando esta em função do ministro ainda estar ou já não estar.

  • ...mas não dá para entender

    - que tendo Martins da Cruz garantido que a proposta tinha sido feita verbalmente por Cesário, este acabe por dizer ao Parlamento que a remeteu ao ministro... Como é que um secretário de estado pode devolver ao ministro uma proposta que apresentou verbalmente?

    - que tendo Martins da Cruz, ausente em férias e assim que tomou conhecimento da iniciativa do seu secretário de Estado, dado instruções expressas em sentido contrário ao aditamento da proposta (vulgo: cunha), Cesário não tenha referido estas instruções ao Parlamento e se tenha limitado a declarar que a partir da fatídica reunião inconclusiva de 21 de Julho «nada mais soube deste processo»... Nem sequer pelo Expresso, pelo Público e pela Renascença para não falar do gabinete do MNE, dos serviços do MNE e do próprio Ministro.

  • Habituou-nos esta Democracia Portuguesa a que a cada Ministro (presente ou passado) deva corresponder uma só e única verdade (o que se tem verificado em todos os Governos...) muito embora a cada Secretário de Estado devam, em coerência, corresponder mil verdades. José Cesário ainda não chegou às mil, vai apenas em cinco, mas para lá caminha. Por isso, Cesário não deve demitir-se até se aprimorar nas mil. Que Artur Santos Silva tenha santa paciência pois já foi ministro e também teve secretário de Estado de mil verdades. Por isso, força Cesário!
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