04 dezembro 2003

Diplomacia Presidencial: Jorge Sampaio com toda a energia na Argélia

Desde que Eanes visitou oficialmente a Argélia em 1982, este país tem subido ao noticiário quotidiano português quase só por dois motivos: ou por questões do gás natural ou por atentados. Sampaio quebrou agora esse longo período de 21 anos de desconhecimento recíproco e voltou a falar-se outra vez no «relançamento» das relações bilaterais. Aliás, a palavra «relançamento» já faz parte do ritual característico da diplomacia portuguesa. A opinião pública tem acreditado piamente em centenas de «relançamentos» em último recurso invocados para justificar visitas, comitivas e percursos. Mas na Argélia o que para já aconteceu foi o relançamento da Diplomacia Presidencial. Pelo meio, a aparição de Manuela Franco a assinar o novo Acordo de Dupla Tributação com o homólogo argelino, Abdelkader Messehel (enfim, trabalho de casa deixado por Martins da Cruz).

Sampaio, nos temas internacionais, foi direito ao assunto: combate ao terrorismo, Iraque, Médio Oriente e possível II Cimeira Euro-Africana em Lisboa. E nos temas bilaterais, deixou-se de rodriguinhos: a diplomacia económica foi o decreto presidencial.

Iraque. Ficou evidente o verdadeiro exercício de ginástica verbal para não conflituar com as posições alinhadas pelo Governo, sobretudo na questão do Iraque, atendo-se às questões de fundo. Possivelmente cada um dos 128 jornalistas portugueses que estão nesse país disfarçados de GNR e cada um dos 16 militares que desse país reportam para jornais, rádios e televisões, com toda a lealdade reclamada por Paulo Portas e exigências nacionalmente impostas por Durão Barroso, irão dizer aos iraquianos coisas como estas: «O nosso Presidente Português disse em Argel que nenhum país tolera hoje viver sob ocupação estrangeira e muito menos num Estado com os pergaminhos e a história do Iraque». E ainda que «tenham respeito por nós, pois o nosso Presidente Português espera que ainda seja possível encontrar forma de, sob a égide das Nações Unidas – única organização com a necessária legitimidade – e com a colaboração empenhada de toda a comunidade internacional, organizar um processo de transição ordeiro que devolva ao povo iraquiano um Iraque unido, seguro e livre da tirania de que foi vítima à mãos de Saddam Hussein».

Médio Oriente. Sampaio expôs a posição de Portugal: «Israel tem o direito de viver em paz e em segurança dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas e os palestinianos têm o direito a constituir um Estado independente e viável nos territórios ocupados desde 1967. Temos de quebrar o ciclo trágico de ataques e retaliações, gerador de ódio e incompreensão, em que israelitas e palestinianos se enredaram após o falhanço das negociações de paz conduzidas ao longo da década de 90».

Terrorismo. Sobre a violência fundamentalista de que a Argélia tem directa vivência, Sampaio definiu: «Não se pode ceder um milímetro perante grupos sem qualquer respeito pela vida humana, que matam indiscriminadamente civis e que visam semear o ódio, a discórdia e o medo». Mas também salvaguardou esse combate que «não pode ser conduzido unicamente pela via militar e policial» pelo que «o desemprego, o sentimento de exclusão social, a falta de perspectivas de vida, em particular das populações jovens e recentemente urbanizadas, são factores de instabilidade a que é necessário dar resposta».

Cimeira Euro-Africana. Sampaio deu as cartas que podia dar. Lisboa continua disponível para acolher a II Cimeira Euro-Africana, adiada sine die... Mas falou do assunto. Falou.

Relações bilaterais. Nesta matéria, a diplomacia presidencial atingiu o pleno. Desde a reunião com o presidente argelino Abdelaziz Bouteflika (que convidou para visistar oficialmente Portugal) até meter-se pelos atalhos da diplomacia económica, coisa diabolizada por tanto embaixador que só pensa nos quadros da residência e nos cortinados das janelas, Sampaio também foi direito ao assunto. Matéria para destaque à parte. Em tempo.

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