Os esforços argumentísticos, sobretudo de Washington e de Londres, em legitimar na doutrina do próprio Conselho de Segurança a premência e o desencadear da intervenção da coligação militar internacional, acabou, no entanto, por debilitar o significado e a função da Assembleia Geral, além de, também a dado momento, ter chegado a pôr em causa, não tanto a função ou competência, mas a eficácia de procedimentos do Secretário-Geral. A total subalternização e até descredibilização do Corpo Comum de Inspectores inviabilizaram qualquer hipótese de qualquer operação avançada das Nações Unidas ou num inequívoco quadro das Nações Unidas, pelo que a organização mundial chegou a ser tratada pelos videntes de serviço como apenas podendo ter futuro na função de organização humanitária.
Nestas circunstâncias, passaram para segundo plano e quase que ficaram eclipsadas as questões pertinentes da reforma do sistema mundial e, de maneira muito particular, a reforma da estrutura e do funcionamento do Conselho de Segurança.
O direito de veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e o próprio conceito fechado de permanência, deixaram de estar em causa por, à evidência, parecerem ter ficado consolidados por via do aparente triunfo, eficácia e poderio do unilateralimo ainda que partilhado para efeitos de subliminar legitimação.
Ficaram pois submergidas quaisquer tentativas de repor as negociações falhadas, na sequência do 11 de Setembro, para uma Convenção Gobal para a eliminação do terrorismo, enquanto o impasse, em Genebra, na Conferência do Desarmamento, retratava a realidade que é a do multilateralismo de conveniência, realidade espelhada também no Tribunal Penal Internacional que, sem a adesão e muito menos o empenho decisivo das potências que contam (EUA, Rússia, China e o Mundo Islâmico), era montado em Haia como instrumento penal universal acabado, mas em os crimes de terrorismo no âmbito das suas competências e jurisdição... Este tribunal, até agora, pouco mais conseguiu fazer do que empossar titulares, certamente à espera de acontecimentos similares aos da ex-Jugoslávia ou do Ruanda, mas sem que, por exemplo, nenhuma queixa possa ser apresentada e nenhuma investigação possa ser desencadeada contra os autores e instigadores do 11 de Março que abalou Madrid. Todavia, o terrorismo organizado à escala internacional que é o tema que efectivamente consta quer na agenda do unilateralismo quer do multilateralismo diplomaticamente resistente, já deu indícios ou provas de que não está apenas a desencadear uma «guerra sem quartel» e sem Estado ou Estados declarados previamente como inimigos.
O terrorismo organizado, pela sua própria definição, fez caducar 98 por cento do «direito da guerra» em pormenor descrito pelas convenções de Genebra. O facto, começa a fazer vacilar as bases dos fundamentalistas do unilateralismo, pelo que a Organização das Nações Unidas e mesmo o seu envelhecido e historicamente desfasado Conselho de Segurança, voltam a ser «o instrumento», no desejo também agora à evidência partilhado de se encontrar uma arma de destruição maciça das organizações terroristas cuja prova de vida, tragicamente, é feita com as mortandades que executa sem aviso e de forma pior que a do cão que mordeu Maomé.
Daí que, os Estados Unidos procurem obter do Conselho de Segurança uma nova resolução. Para quê? Para reforçar o mandato da ONU no Iraque - coisa impensável quando, há escassos seis meses, se a organização mundial se não era dada como «moribunda» quando muito concedia-se-lhe o estatuto de alma humanitária em corpo manifestamente débil? E afinal, o reforço de tal mandato multilateral, porquê? A finalidade não pode ser escondida e consiste em dissuadir a Epanha de retirar o seu contingente do Iraque e encorajar outros países a enviar mais tropas.
No espaço de ano, a ONU surge como escapatória mas as questões de fundo – as da reforma do sistema – persistem porque a omissão é o timbre do multilateralismo de conveniência.
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