30 março 2004

Os «petróleos lusófonos»: Cabinda, Timor, São Tomé e Bissau

Pelo que na generalidade se sabe, o petróleo apenas interferiu, à evidência, como factor determinante no processo da descolonização portuguesa, no caso de Cabinda. Em 1974-75, a separação desse território da questão da independência angolana não chegou sequer a ser seriamente ponderada, sendo mesmo afastada qualquer hipótese, em função do êxito que se augurava para o novo Estado de Angola e para o qual os recursos naturais do enclave e o potencial aí instalado pelas multinacionais eram uma condição. Os episódios pouco dignificantes que envolveram alguns militares portugueses movidos por essa causa e que teriam justificado a intervenção da justiça militar de então, ilustram a perversão político-militar que determinou o destino de Cabinda onde as violações dos direitos humanos, segundo parece, não incomoda nenhum fórum político de relevo em que a voz da Igreja Católica é a excepção.

No entanto, foi o petróleo que influenciou todo a longa e dramática caminhada de Timor-Leste até à independência e que, na verdade, determinou a decisão de Jacarta em invadir e ocupar a colónia que prematuramente se tinha declarado Estado livre e autónomo. Embora já em Novembro de 1975, uma multinacional britânica de petróleos tivesse em seu poder os resultados da primeira prospecção da crosta terrestre por satélite e que comprovavam a existência no Mar de Timor de uma das maiores jazidas mundiais, em Lisboa, figuras influentes do Estado Português e com poder de decisão cultivavam o discurso segundo qual Timor-Leste jamais teria condições de sobrevivência como País independente. Jacarta foi levada a tentar a anexação do território, em última análise, pelo cheiro do crude, em contraposição com o néscio discurso português que por muito tempo esteve na base da lassidão diplomática de Lisboa a propósito de Timor, designadamente no quadro das Nações Unidas. E é bem verdade que Portugal acordou para o caso por causa do petróleo, muito embora os pretextos marginais (as violações dos direitos humanos, por exemplo) tivessem servido para suportar o novo dinamismo diplomático que ficou bem emoldurado pela queixa contra a Austrália no Tribunal Internacional de Justiça. Embora tarde, Timor foi o segundo caso do «petróleo lusófono» que deu muita honra à diplomacia de Lisboa mas nenhum proveito.

Mas também tardiamente e surpreendendo mais uma vez os serviços de inteligência de Lisboa, surgiu o terceiro caso de petróleo em São Tomé e Príncipe. Aconteceu o mesmo que já tinha acontecido com Timor-Leste: até à descoberta das jazidas deste pequeno país do Equador, São Tomé e Príncipe era dado como um estado sem futuro, sem perspectivas ou quando muito com algumas esperanças no turismo, encerrado que ficou o efémero império do cacau. Todavia, os empurrões para golpes de Estado e para a desestabilização interna do país, quer a partir do Gabão quer por grupos de pressão radicados na Nigéria – sabia-se – tiveram quase todos, como alibi o conhecimento administrado das importantes jazidas santomenses a que também não era alheia a «guerra dos mapas» ou a demarcação das fronteiras marítimas com os países controlados na rota dos apetites pela extracção de ouro negro.

E há, finalmente o quarto caso, com a Guiné-Bissau, outra ex-colónia portuguesa, também ela, amiúde descrita como «Estado inviável». As jazidas do Cachéu mudaram, no entanto o panorama, a doutrina e os cálculos, pelo que se compreende hoje já ou melhor, tal como em Timor e em São Tomé, as causas últimas dos golpes, das insurreições e das tentativas de desestabilização do Estado que é dos mais pobres do mundo mas que tem... petróleo e, segundo os entendidos, a jorros. No caso de Bissau, a diplomacia de Lisboa foi-se enganando pela argumentação própria dos cônsules honorários que supostamente apenas têm tido honra no recrutamento, à boca calada, da mão-de-obra clandestina guineense destinada às construtoras, e enquanto, por exemplo, no presente processo eleitoral, Portugal apoiou «o processo», o Estado Angolano personificado em José Eduardo dos Santos não apoiou o processo mas o «jogo partidário» e neste jogo quem lhe desse garantias transversais em matéria de... petróleo. Portugal mandou aviões com boletins de voto, material para os cadernos eleitorais e demais apoio logístico para esta tentativa de democracia, como antes já tinha passado cheques significativos em ajuda directa ao Estado da Guiné-Bissau. Eduardo dos Santos enviou um avião com material de propaganda para um dado partido, aquele que aparentemente se lhe afigurou e aos interesses transversais como dando mais garantias quanto a petróleo. Se Bissau vai ser segunda Cabinda, ver-se-á, até porque, como garantiu a Internacional Socialista deste magistério de Guterres, José Eduardo dos Santos está no bom caminho...

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