27 abril 2004

6 e Último. Bem-Amado Fundo. «E Vossa Excelência não fez o mesmo?»

Nos termos da lei, o FRI é definido como « é uma entidade com a natureza de fundo público, que funciona sob a tutela do Ministro dos Negócios Estrangeiros, dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial» e é suportado por verbas de quatro origens:

  • À cabeça, os emolumentos consulares cobrados nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
  • Depois, os saldos de gerência de anos anteriores;
  • Seguidamente, o produto de doações, heranças e legados;
  • Finalmente, aquilo que é designado por «outras receitas não discriminadas».

    O dinheiro japonês deve ter entrado como receita não discriminada e os juros bancários do depósito a prazo de tal montante proveniente da «indemnização» paga pelos herdeiros do palacete de Tóquio, naturalmente, tanto engrossam os saldos de gerência de anos anteriores como podem fazer diminuir, como foi o caso da entrega de mais de 150 mil contos por Jaime Gama à Fundação Aristides de Sousa Mendes.

    A que se destinam os dinheiros deste Fundo do MNE, o FRI?

    Às quatro atribuições iniciais fixadas por Durão Barroso como MNE em 1994, Martins da Cruz haveria de acrescentar mais uma, em 2003.

    A rigor, as verbas do FRI (com comentários de NV entre parênteses) destinam-se a:

    a) Apoiar as acções de modernização dos serviços externos (funcionando pois como muleta de emergência para despesas eventualmente não previstas no Orçamento de Estado);
    b) Satisfazer os encargos ocasionados por acções extraordinárias de política externa (verbas de recurso e à mão, numa espécie de ad libitum, desconhecendo-se de resto o que deva ser entendido como acções extraordinárias da política externa...);
    c) Comparticipar em acções de natureza social promovidas por entidades de natureza associativa, visando o apoio aos agentes das relações internacionais (sendo a expressão «natureza social» uma saia muito larga e entrando por aqui as verbas distribuídas aos consulados honorários);
    d) Apoiar acções de formação e conceder subsídios e bolsas a pessoas colectivas e singulares, entidades públicas e privadas, nacionais ou estrangeiras, no âmbito da política definida em matéria de relações internacionais (saias largas e compridas, também);
    e) Apoiar actividades de natureza social, cultural, económica e comercial, designadamente destinadas às comunidades portuguesas, promovidas por entidades públicas, privadas ou associativas, nacionais ou estrangeiras, no quadro das diversas vertentes da política externa portuguesa (portando outra grande saia onde pode caber tudo e mais alguma coisa vertida, a pretexto «das diversas vertentes).

    Todo este harmónio é tocado por um Conselho de Administração cujo presidente é o secretário-geral do MNE e que assim se torna num elemento discretamente todo-poderoso conforme use ou tire partido da função e também conforme consiga manter a confidência, anuências e colaboracências dos dois restantes e únicos vogais que são também da alta nomenclatura da Casa: o director-geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas e o director do Departamento Geral de Administração do MNE.

    Confidência, anuências e colaboracências são, de facto, as três virtudes que o secretário-geral do MNE deve ter que garantir para que o FRI cumpra o seu sagrado e azul dever pois, também pela lei, «o conselho de direcção reúne sempre que convocado pelo seu presidente», dizendo-se com isto quase tudo mas não tudo.

    E não tudo, porquê?

    Porque este fundo, sendo «uma entidade com a natureza de fundo público» tem «despesas normais» e «despesas classificadas». As normais constam ou haverão de constar no Diário da República e já suscitam a polémica que tem dado.

    Mas como a lei tem obviamente um nítido propósito de transparência, aquelas tais reservadíssimas, sereníssimas e confidencialíssimas «despesas classificadas» haverão de ser apenas e meramemente «justificadas por documento do conselho de direcção, assinado por dois dos seus membros, um dos quais será o presidente», ou seja como se disse, o secretário-geral do MNE.

    Portanto, não há relatórios de contas como também não há identificação de destinos e de montantes quanto aos gastos feito no âmbito destas despesas classificadas.

    Podem ser viagens, complementos de vencimentos, suplementos e todos os demais aditamentos. É o Saco Azul e aqui é que está a questão pois é por aqui que as Receitas da Emigração são em grande parte consumidas.

    Ou não seja assim, ou o MNE tenha a coragem de publicar o que paralelamente ou à margem paga, por exemplo, a conselheiros de embaixada (a uns obviamente mais do que a outros…) por critérios que dificilmente podem ser entendidos fora das simpatias e considerações ad hoc. Ou que publique os gastos de viagens e quem viaja à custa do FRI. Por aí adiante...

    No tereno político, esta questão é insolúvel porque em algum momento o escrutinado poderá ser sempre confrontado com a seguinte pergunta do hipotético escrutinador: «E Vossa Excelência não fez o mesmo?»

    Resta um esclarecimento: Notas Verbais não são financiadas pelo FRI, quer no âmbito das «despesas normais» quer, como muito mais dificilmente poderão vir a ser, no âmbito das «despesas classificadas»… Pobre blogue.

    E ponto final, por agora.
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