29 abril 2004

Jorge Sampaio. Duas situações impensáveis.

A partir de hoje, pode-se pedir tudo a Jorge Sampaio menos que faça diplomacia, actue diplomaticamente ou siga os procedimentos diplomáticos, mesmo que o Presidente, no exterior, mais não faça que simplesmente pedir.

  • É impensável que o Presidente Português Jorge Sampaio divulgue em Varsóvia e a quente que tinha «pedido» ao Presidente Polaco Aleksander Kwasniewski o apoio da Polónia para a candidatura de António Vitorino à presidência da Comissão Europeia, sem prévia sondagem sobre a eventual resposta polaca. Belém tem Casa Civil e assessoria diplomática para isso, e dispõe dos canais do MNE abertos também para isso, segundo as regras da discrição.

    Sampaio revelou não ter encontrado oposição, porque, naturalmente, uma negativa equivaleria a grosseira indelicadeza polaca. Mas se, por outro lado, Sampaio teve que dizer que não colheu apoio explícito foi porque, também naturalmente, a candidatura de Vitorino não é nem pode ser uma candidatura nacional, quando muito será de governo – tanto assim que, se Vitorino sair vencedor da campanha, este reivindicará, por esta ou aquela via ou forma, o seu mérito estritamente político do seu facto, mas se perder, cobrará a Portugal o demérito, por aquela ou outra via ou forma. E então, Vitorino!

    Ora, tenha Aleksander Kwasniewski evidenciado reserva mental à polaca ou delicadeza de anfitrião, Sampaio abriu o desabafo, também este nada diplomático: «Temos ainda que trabalhar bastante».

    Mas trabalhar o quê e quem? Trabalhar Kwasniewski? Trabalhar Vitorino?

  • Mais impensável ainda que seja o Presidente da República Portuguesa a pedir ao Presidente da Ucrânia que os dois países coordenem as suas políticas migratórias.

    Impensável porque uma iniciativa dessas, de nível presidencial, apenas deve ocorrer ou se admite que ocorra quando os Embaixadores falharam, os Secretários de Estado falharam, os Ministros «do sector» falharam e os Chefes dos dois Governos falharam… Então sim, não sendo caso de guerra, entrem em campo os Presidentes!

    Qual a motivação que levou Jorge Sampaio a explicar a Leonid Kutchma o que este sabe desde que nasceu, designadamente que uma política coordenada dos dois países permitirá que a imigração ucraniana para Portugal "seja proporcional à disponibilidade dos postos de trabalho existentes e à integração que é necessária"?

    Sampaio, com isto, está a criticar o governo de Kiev que faz o que lhe convém (como o de Portugal fazia nos tempos clamorosos do salto) ou está a criticar o de Lisboa, o seu próprio governo?

    Como se não bastasse, Sampaio não se conteve e disse aos quatro ventos que "isso tem que ter do lado ucraniano uma resposta sólida, enquanto do lado português tem que haver um consulado a trabalhar a sério em Kiev".

    Mas que resposta sólida do lado ucraniano? Será uma daquelas «sólidas respostas» à maneira ucraniana?

    E quanto à actuação consular de Portugal em Kiev, que Sampaio sugere que não está a trabalhar a sério, se é caso de falta de seriedade, não seria mais fácil promover pelos canais internos uma inspecção consular?
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