No centro da acusação canadiana: o diplomata português, em 21 de Agosto «agrediu um polícia (canadiano) na face». Versão de Artur Magalhães: «Não é verdade, a polícia é que exerceu violência desmedida, há testemunhas». Versão da polícia: «Houve agressão». O Ministério Público do Canadá, em 2 de Setembro, comunica pelo MNE da Canadá «ter decidido depositar queixa-crime», decisão que o cônsul conhece nesse mesmo dia. O julgamento de Artur Magalhães chegou a estar marcado para 5 de Outubro, Terça-feira. Acatou o regresso, como tinha que acatar. E quem, a pretexto deste caso, provoca a agitação política da Comunidade Portuguesa em Toronto, ou tem falta de decoro, ou tem consciência pesada.
Carlos Albino
1 – Errou o cônsul
Artur Magalhães sabia, qualquer cônsul de carreira tem a obrigação de saber que a função consular não tem imunidade diplomática mas apenas imunidade funcional, pelo que a sua actuação face à polícia, mesmo em caso de eventual extrema brutalidade, devia ter sido no mínimo mais sabida, prudente, proporcionalmente cautelosa. Por outras palavras, o diplomata deveria ter tido presente que lhe competia não deixar ou permitir que o caso se convertesse num mero caso de polícia., uma vez que o mero pode transformar-se em grave quando se converte em duelo entre a honra do polícia e a honra do diplomata.
Devia ter comunicado de imediato a situação (por telefone, fax, correio electrónico...) a hora que fosse do dia 21 de Agosto, quer ao Embaixador em Otava, quer aos Serviços Centrais do MNE (os serviços de cifra funcionam 24 horas como qualquer diplomata sabe). À embaixada em Otava apenas comunicou o incidente do dia 21, no dia 24 (relato seu em inglês) e apenas no dia 1, dez dias depois, relatos em português e em inglês.
Não devia ter permitido que o desenrolar do dossier permanecesse omitido até pelo menos ao dia 22 de Setembro, quando decisões em princípio definitivas já tinham sido tomadas no dia 14, por acordo entre os MNE de Otava e Lisboa. Tinha meios formais para o fazer, e caso estes lhe fossem interditos, tinha meios informais para o concretizar, designadamente através das testemunhas que dizem ter presenciado os acontecimentos e apenas tardiamente falaram, com isto não se pondo em causa a idoneidade de tais relatos.
2 – Errou a polícia canadiana
Na medida em que o incidente excedeu o patamar de uma infracção de trânsito (grave ou ligeira, não se discute) entrando para o âmbito da responsabilidade criminal de um cidadão estrangeiro, a polícia tinha a obrigação de arrolar todos os que presenciaram os incidentes – Todos - para que fossem ouvidos em sede própria. Mesmo a presença de um oficial superior que, como se diz, que foi chamado em função da qualidade do visado, não pode invalidar esse procedimento, uma vez que, no interesse da própria polícia, esta não pode dar pretextos para ser acusada de actuação unilateral , abusiva e de tendencial defesa de interesses corporativos.
3 – Errou a Agência Lusa
Cedo, sobretudo quando a Embaixada em Otava, pelos erros do cônsul e da polícia, se viu compelida, por intruções de Lisboa, a negociar uma saída para o caso com o MNE canadiano reportando a posição do Ministério Público desse país, tornou-se evidente que o incidente era susceptível de ser classificado de relevante, mais – de relevante interesse público estando em causa a figura do Cônsul-Geral que representa a Administração Portuguesa numa comunidade de várias centenas de milhares de cidadãos portugueses. O caso devia ter sido reportado de Toronto, gradual e responsavelmente pela agência noticiosa Lusa, que é suportada pelo sistema mediático português precisamente com a finalidade de munir este mesmo sistema dos elementos com que possa exercer o dever de informar correspondente ao direito dos cidadãos a serem informados. A Agência Lusa afirma a este sistema que a suporta ter um correspondente permanente em Toronto e por isso devia ter reportado o caso não vencendo o critério subjectivo de que acabaria por ser um incidente sem importância e corriqueiro apenas se... fosse omitido! Do abuso deste critério de omissões a la carte em diversas áreas do globo onde a Lusa garante presença supletiva do sistema mediático, as primeiras vítimas são as comunidades portuguesas e a última o próprio sistema mediático português. Tornou-se evidente logo no início de Setembro que estando envolvidos o Cônsul-Geral de Portugal em Toronto, a Polícia do Ontário e o Ministério Público do Canadá e havendo testemunhas idóneas, a Agência Lusa – acima de eventuais promiscuidades e da constelação de menores interesses organizados - deveria ter escrutinado o perseguido, os perseguidores, as testemunhas e as chancelarias dos dois países em cujas mãos o caso estava a ser «negociado». Não era, pois, um «caso desprezível», muito menos «um caso para omitir» e ainda muito menos para ser jogado em vários tabuleiros ao mesmo tempo, como se o tabuleiro da Lusa fosse o de menor importância.
Sem dúvida, sem dúvida que os principais protagonistas do caso ficaram a saber em 2 de Setembro que o Ministério Público do Canadá decidira depositar queixa-crime contra Artur Magalhães. Ora um Cônsul-Geral que se sentisse injustiçado suspenderia as funções nesse mesmo dia, ficando a aguardar, sem medo, o julgamento a que tinha direito, impedindo desse modo que a matéria se convertesse em negociação extra-judicial a nível de Estados, cujas chancelarias, em todo o mundo como se sabe, não primam pela generosidade gratuita. Por aquilo que sabemos o Embaixador Silveira de Carvalho e o Secretário-Geral do MNE, Embaixador Quartin Santos (então este, conhecido por ser extremanente escrupuloso, meticuloso e sério) não podiam ter agido melhor.
Se nos dizem que um incidente que implica um Cônsul-Geral de Portugal, representante da Administração do Estado Português junto de centenas de milhares de cidadãos portugueses, e de cujo julgamento, que chegou a estar marcado para 5 de Outubro, Terça-feira (anulado por negociações entre chancelarias) poderia resultar a sua expulsão do Canadá ou, admita-se mesmo que longinquamente, um pedido de desculpas formal deste país a Portugal por actuação abusiva da sua polícia, se nos dizem que esta matéria não é relevante, sabendo-se além disso que a chancelaria canadiana está «aquecida» com episódios nada recomendáveis do passado, então já não sabemos o que é matéria relevante, havendo tantos, tantos!, portugueses nesse país.
4 – Erram os que pensam que questões destas se resolvem com revoltas da Maria da Fonte, com pressões junto do PSD e no Governo ou com telefonemas para Cesário.
Artur Magalhães sabe, como qualquer diplomata deve ou tem que saber, que um Cônsul-Geral depende de uma autorização chamada Exequator por parte do Estado que o aceita, no caso o Canadá, mas que também o pode recusar conceder ou retirar, depois de o aceitar, declarando-o persona non grata, expulsando-o, nada havendo a fazer. E pela Convenção de Viena, nem tem que explicar (o artigo 23.º sobre esta matéria está em Notas Formais ). Tudo leva a crer que, pelo cúmulo dos sucessivos sucessivos erros de inacção e omissão, Portugal e o Canadá sugeriram-se reciprocamente que esta extrema situação deveria ser evitada, não estando em causa a justiça que o diplomata reclama, admita-se que fundamentalmente, nem a idoneidade das testemunhas que tardiamente testemunham sem que se ponha em causa a citada idoneidade. Pura e simplesmente, os dois Estados pretenderam acautelar o relacionamento que, no interesse também recíproco, não pode entrar em crise só porque o Cônsul-Geral não percebeu atempadamente que não era nem um mero imigrante nem um Embaixador, mas apenas mero cidadão, simpático sem dúvida, probo com certeza, amigo de José Cesário nem interessa, meu amigo muito menos interessa ou não interessa rigorosamente nada, e possivelmente dotado de uma generosidade seleccionada nos subsídios do Estado. E, acrescente-se, o interese do Canadá e de Portugal também não pode entrar em crise só porque um polícia supostamente agredido exerceu não menso supostamente da sua ciosa autoridade, ou então porque a Lusa omitiu. Um Cônsul-Geral depende do Estado que aceita e não pode ser imposto pelo Estado que envia, não estando Portugal em condições de fazer um Ultimato a Otava e muito menos em condições de estacionar a sua frota submarina, comandada por marias da fonte, no Lago do Ontário.
Como remataria Esopo, a fábula de Toronto mostra que são coisas como estas que levam a que os emigrantes portugueses no Ontário não votem, não participem civicamente e se alheiem, salvo as honrosas excepções do Porto, Benfica, Sporting e Santa Clara (mesmo neste caso dependendo da ilha). E se não votam, não participam e se alheiam ou é porque têm medo dos grupos de interesses organizados, ou pura e simplesmente é porque tudo isto lhes dá azia, nojo e vergonha.
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