01 março 2005

Diplomacia de Lisboa. Uma regra de três simples

Portugal, mude o governo ou não mude, gosta muito de afirmar a «continuidade das linhas essenciais da política externa». E não será difícil haver tal continuidade, porquanto relativamente aos temas internacionais mais prementes para não dizer melindrosos, Portugal tem uma posição predefinida: «A posição portuguesa pauta-se (ou pautar-se-á ) pelo consenso da União Europeia na matéria»... E para os temas europeus, também com pequenas variações de estilo, também temos registado o mesmo tipo de predefinição: «A posição portuguesa é pauta-se (ou pautar-se-á) pelo aprofundamento da integração...» E não saímos daqui, a não ser haja deslocação de ministro, viagem de secretário de Estado ou visita oficial de Sampaio, porquanto a nossa política externa vive numa permanente regra de três simples. Pode parecer, em dados momento, uma senhora muito complicada mas à passagem do modelo, nota-se à evidência a regra: a diplomacia portuguesa está para a viagem de qualquer figura de Estado, assim como um discurso quase sempre igual está para x, a estafada incógnita . Ou seja: multiplicando a figura pelo discurso e dividindo o produto pela diplomacia, obtém-se o valor incógnito da política externa... (Podem fazer o exercício com a visita de Sampaio à China, mas o resultado continua a dar certo com qualquer que tivesse sido a viagem de Cesário). Infalível.

Ora, ontem e hoje, por exemplo, o Quai d’Orsay tomou posições oficiais sobre os seguintes assuntos:

1 - Burundi (referendo)
2 - CNUCED (nomeação de Supachai Panitchpakdi para secretário-geral da organização)
3 - Costa do Marfim
4 - Darfur
4 - Próximo Oriente (suspensão dos contactos de Sharon com os Palestinianos)
5 - Iraque (Florence Aubenas)
6 - Síria/Líbano
7 - Irão (questão nuclear)
8 - República Democrática do Congo (MONUC)
9 - Togo (aprovação da Constituição)
10 - Egipto (declarações de Moubarak sobre alteração da eleição presidencial)
11 - raque (atentado em Hilla)
12 - Kirziguistão-França (bilateral)
13 - Finlândia-França (bilateral)
14 - Madagascar (anulação da dívida a paris, 400 milhões de dólares)
15 - Constituição Europeia (tema da ingerência de Zapatero no debate francês sobre a questão)

Deixemos o Quai d'Orsay, os Franceses e as suas 15 questões de ontem para hoje. Aos Portugueses bastaria saberem o que em seu nome se pensa sobre o que se passa no Líbano e sobre o que a Síria deve fazer naquela sua Cabinda mais complicada que a outra, enfim...

Como NV gostariam de adivinhar se «o próximo MNE» também irá «dar continuidade ao essencial da política externa portuguesa» e se pela inércia de continuidade a diplomacia vai continuar a estar muda perante os assuntos mais graves antes de saber o que outros dizem, ficar calada nas questões melindrosas para nós mas sobre as quais os outros disseram o que Lisboa julga que não deva dizer e, claro, tomar posições fortes, clara e inequívocas apenas em caso de golpe em Bissau, motim em São Tomé e chuvada em Moçambique, mesmo assim «num quadro de uma solução universalmente aceite».

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