Portugal podia e deveria apresentar-se no mundo como um agente influente em matéria de direitos humanos. A saga de Timor, a experiência do relacionamento com os países africanos, o evidente à vontade para observar a América Latina, as potencialidades (em grande parte inexploradas) de diálogo com a Índia e China e o vasto leque de problemas que a esse nível aqui e ali surgem nas Comunidades Portuguesas (grande percentagem dos problemas são efectivamente problemas de direitos humanos…), a que se acrescenta um histórico notável de trabalho dos embaixadores que se têm sucedido em Genebra, poderiam ter sugerido que as Necessidades tivessem criado, há muito, um departamento vocacionado para a diplomacia dos direitos humanos que é de facto uma «diplomacia». Um departamento que não ficasse escravizado da produção de doutrina (doutrina há muita) mas que formulasse os problemas, identificasse as questões, esboçasse planos A e B para soluções de intervenção diplomática e de influência credibilizada no terreno dos direitos cívicos e políticos e da acção humanitária. Se não estamos em erro, foi Ana Gomes que, nos seus tempos reconhecidamente áureos de diplomata de carreira, pioneiramente deixou essa sugestão ou esboço de sugestão jamais acolhida. As posições de Portugal, assim, nesta matéria de direitos humanos, têm vindo a depender quase exclusivamente da capacidade do Ministro, da sensibilidade do Ministro e da iniciativa do Ministro – Ministro que, não raras vezes, se revela condicionado, se não até tolhido e bloqueado pela premência do «pragmatismo» e de supostas vantagens do Estado numa cultura diplomática de silenciamento e de adiamento paulatino. A relação com Angola, por exemplo, tem debitado um manancial de exemplos pouco edificantes. É verdade que costumamos saudar efusivamente nomeações ou eleições para cargos internacionais que desta ou daquela maneira se cruzam com o escrutínio das violações graves ou indícios disso, mas ficamos por aí. O TPI desaparece do universo das nossas preocupações diplomáticas se um dado juiz perde a candidatura, o direito internacional perde-se de vista se não há lá um indivíduo português, a importância de Genebra esbate-se se Portugal não for eleito para isto ou para aquilo na maior parte dos casos acontecendo isso por mero efeito dos critérios de rotatividade regional, falando-se agora obviamente muito dos refugiados porque há um português na corrida. Ora isto é muito pouco para a diplomacia de um pequeno país que por ser pequeno devia e poderia ter uma grande diplomacia.
O curioso é que a mesma lassidão que revelamos na diplomacia dos direitos humanos é a mesma lassidão que revelamos na diplomacia comercial e na diplomacia económica, coisas que não se fazem por decreto ou por actuações voluntaristas como as que Martins da Cruz por certo protagonizou, e, muito menos, com a idolatração da «máquina» com o acrescento da pitada de sabedoria política que caracterizou o somatório das gestões de Jaime Gama.
Naturalmente que estamos já a falar da profunda reforma que o MNE carece. Reforma e não apenas reformulação.
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