Pois diga-se que, até muito recentemente em Luanda, os hábitos consulares levavam frequentemente ao tráfico de influências, aos favores, ao compadrio com alguns dos pequenos deuses locais angolanos a troco afinal de uma galinha assada ou porque estava em causa apenas o tal toucinho, bacalhau e vinho que o Semanório Angolense apresenta como sendo a «cooperação portuguesa». O cônsul agora exonerado pelo secretário de Estado António Braga, teve o mérito de querer acabar com essa teia de interesses rasteiros, aplicando todavia a legislação ainda assim de uma forma flexível. António Braga sabe disso, como saberá que, com esta sujeição das Necessidades a caprichos angolanos mal contados, um futuro cônsul não terá condições para trabalhar em Luanda. António Braga errou.
Mas porque é que os caprichos angolanos foram mal contados?
Ao que sabemos, o indivíduo que se afirmou lesado, o Ismael Mateus - recorrendo a tratamento de proximidade que o embaixador de Portugal em Luanda surpreendentemente usou - pois o Ismael Mateus pediu de facto um visto mas... sem apresentar documentos. Depois, o Ismael Mateus insistiu no pedido, mas com documentos ainda em falta. Finalmente, quando o cônsul-geral se disponibilizava a resolver directamente o problema, o Ismael Mateus não comparece. Não comparece, mas porque certamente estava já habituado a obter vistos sem documentos, o Ismael Mateus não hesita em publicar no Jornal de Angola uma Carta Aberta considerando que foi tratado pela autoridade consular portuguesa como um «ignorante, potencial criminoso, emigrante ilegal ou vândalo»...
Essa Carta Aberta, em pouco tempo, suscitou um movimento de pensadores e estrategas a que por pouco só faltou uma declaração de guerra a Portugal. É neste contexto que o embaixador Xavier Esteves, em vez da diplomática serenidade e do esclarecimento medido, decide dar publicamente razão ao indocumentado, e mais: elogia o Ismael Mateus como só por ocasião de condecorações de Estado acontece ou para levar gente aos prémios de Estocolmo, o que seria evidentemente demais para quem conhece o que o Ismael Mateus foi, é e possivelmente continuará a ser. No fundo, a reacção do embaixador foi para que José Eduardo dos Santos lesse estando o Ismael Mateus em causa, não se sabendo o que é que a diplomacia portuguesa ganha com isso num canto do correio dos leitores do Jornal de Angola ou se até não perde. Ver-se-á. Mas pelo que por ora sabemos, o embaixador errou além de omitir.
Não é só um nem são apenas dois angolanos que exigem sem razão aparente um tratamento de VIP seja a pretexto do que for. São poucos mas, porque podem fazer muito barulho, julgam-se acima de regras, de procedimentos e com isenção da humildade. Foi o caso. E porque foi esse o caso, a exoneração do cônsul português em Luanda, não foi uma humilhação para o diplomata mas sim para uma humilhação (mais uma) para Portugal - a generalidade dos cônsules da União Europeia presentes em Luanda, ao que sabemos, estão solidários com o diplomata português.
Já agora, que o Ismael Mateus fique sabendo que nenhum jornalista em Portugal, na Europa, em toda a América (à excepção de Cuba, claro...) e muito menos na China e na Rússia, por mais influente, conhecido e genial seja esse jornalista, nenhum tem o desplante de obter um visto consular só porque a sua cara é uma cara cujo proprietário pensa que a cara que tem dispensa documentos.
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