E foi então que, naquela correnteza fria da entrada pelo Protocolo, se ouviu até muita distância o embaixador Agapito soletrar uma oração como se fizesse percorrer pelos dedos as contas daquele rosário que, há anos, lhe foi oferecido em Luanda pelo cardeal Nascimento:
«Meu caro! O Eduardo dos Santos é um ingrato! Um ingrato que não sabe pagar a Cavaco Silva a sua presença como primeiro-ministro português naquele célebre comício do MPLA! Um ingrato! O presidente angolano devia ter já retribuído com a sua presença em algum sítio deste Portugal Maior! Mas não!!! Esse campeão dos direitos humanos em África e esse recordista da democracia do contimente vizinho é um ingrato! Um ingrato...»
Agapito à primeira disse isto ao GNR da guarita, repetiu segunda vez a um segurança açoreano por sinal amigo de Jaime Gama, disse o mesmo pela terceira vez ao primeiro contínuo da escada e quando, já pela quarta vez, ia a dardejar de novo com aquele «Meu caro! O Eduardo dos Santos é um...» sentiu-se forçado a interromper o rosário do cardeal no momento em que alguém que descia do Protocolo e que, sem dúvida pelo perfil de licença, seria o ex-ministro e embaixador reputado Martins da Cruz, cunhou algo de telúrico e sigiloso no ouvido do velho diplomata. Mas, passados aqueles breves instantes de espupefacção, Agapito retomou as contas do rosário e por mais de três longas horas encheu o Palácio das Necessidades com a ingratidão do Presidente angolano. Há quem diga que estragou o período de reflexão na Cifra.
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