O Cônsul não negou o visto a jornalista; o jornalista é que negou ao consulado português a documentação legal e não compareceu a um encontro facilitador. O cheiro do poder estraga qualquer jornalista. Até nestas questões de pedidos de visto.
É esta, pois, uma história de má-fé e de pesporrência comum a muitos angolanos que, acabada a sua trágica guerra civil, não podem ver o dia sem um inimigo, um inimigo qualquer, e muito menos suportam a chegada da noite sem mentir sobre um amigo, com uma mentira qualquer.
O caso de Luanda é tratado na última página do Expresso de hoje (4 de Fevereiro) como acabado exemplo de um expresso da meia-verdade. Em substância, diz o jornal que O Palácio das Necessidades afastou o diplomata Luís Gaspar da Silva do posto de Cônsul-geral em Luanda após ter sido «negado um visto para Portugal a um dos mais conhecidos jornalistas angolanos, Ismael Mateus, por faltar o documento da entidade que o convidava a deslocar-se a Lisboa».
Relata o Expresso a seguir que «Ismael Mateus publicou então um artigo no jornal de Angola relatando o facto e no dia seguinte, o embaixador português, Francisco Xavier Esteves, apresentou desculpas públicas no mesmo jornal e informou o jornalista que lhe será concedido um visto de um ano para Portugal».
Antes disto, o semanário afirmara que Luís Gaspar da Silva «vai ser substituído e (que) o seu sucessor será conhecido na próxima semana».
Duvida-se que esta seja ou possa ser a versão do Palácio das Necessidades, quando muito pode corresponder à versão que o embaixador Xavier Esteves terá do episódio (que seria uma versão omissiva, a avaliar o seu comportamento omissivo) ou poderá corresponder também ao interesse directo que o jornalista angolano fez despertar com o seu protagonismo enganoso.
Não interessando saber de onde partiu a versão, o certo é que o Palácio das Necessidades, estranhamente, até agora não explicou oficialmente o incidente – porque houve de facto incidente, um incidente consular – como também não explicou a chamada a Lisboa e a exoneração do Cônsul-geral, decisão esta tão grave que justificaria a abertura de um processo disciplinar ou pelo menos de um inquérito com tal intenção. Nada disto aconteceu e, como todos os leitores de fim-de-semana sabem, o Palácio das Necessidades que é um exemplo acabado de transparência desde Deus Pinheiro, Durão Barroso a acabar em Martins da Cruz e que pelos vistos não acabou aqui, não costuma compensar o seu silêncio com versões do Expresso...
NV não retiram uma vírgula à interpretação aqui feita sobre o incidente, recapitulando:
1 – Ao que sabemos, pelo que muita gente sabe e pelo que nas Necessidades foi registado, o Cônsul-geral não negou o visto ao angolano Ismael Mateus que se apresentou uma primeira vez sem documentos, uma segunda vez com documentos em falta, faltando a um terceiro encontro com o Cônsul que se dispunha a resolver-lhe o problema directamente.
2 – O angolano é que, em vez de comparecer nesse terceiro encontro facilitador, à boa maneira angolana ou no estilo do pior orgulho angolano, optou por publicar uma Carta Aberta ao cônsul (não foi um artigo...) falseando a questão e transformando-se em capitão-herói de uma descabelada campanha anti-portuguesa do género de hipotética campanha que apenas uma extrema-direita em Portugal poderia protagonizar contra angolanos – bastaria mudar os termos e a cor dos termos.
3 – Indevidamente, o embaixador Xavier Esteves que antes deste incidente tinha sido alvo directo de posições desprimorosas da imprensa angolana, indevidamente, repita-se, o embaixador que não tem funções consulares nem as pode ter, reagiu ou recebeu instruções para reagir a essa carta aberta mandando os factos à malvas e, como se o seu colega diplomata fosse um contínuo angolano a merecer chibatada, deixou sugerido que o visto seria concedido, como se fossem funções suas conceder vistos ou como se um Consulado-geral fosse o mesmo que secção consular de embaixada... Um capacho, portanto. Denunciando de onde a versão partiu, o Expresso até acrescenta que o embaixador informou o jornalista que lhe daria um visto por um ano. O que pode ser justo e certamente será, mas não deixa de ser arbitrário porque de arbitrariedade se trata.
4 – O Cônsul-geral cumpriu a lei, cumpriu os parâmetros de Schengen. O que é isso de se dizer que, por circunstancial interesse político, o Cônsul «devia ter fechado os olhos»? Mas fechar os olhos a quê? Se a lei está mal, altere-se a lei e se Portugal não concorda com Schengen, retire-se do Acordo, denuncie o tratado. Além de que a CPLP, nesta matéria de liberdade de circulação de pessoas, não existe – nós até gostaríamos que a CPLP existisse, mas não existe. Há uns poemas sobre isso, com certeza, há também turismo político de alto, médio e também de baixo nível com esse pretexto, mas não vale a pena cultivar enganos recíprocos.
5 – Sobre outra meia-verdade do Expresso - «o cônsul vai ser substituído e o seu sucessor vai ser conhecido na próxima semana» - diga-se que isto também não poderia ter partido das Necessidades. É que o cônsul já foi substituído, mas o substituto acaba de ser também ele substituído ainda mesmo antes de pôr os cotos em Luanda! É um facto que o diplomata Jorge Fernandes foi indicado e preparava-se para suceder a Luís Gaspar da Silva, mas o processo voltou para trás – as Necessidades que digam o motivo, digam.
6 – Quem vai para Luanda é Veiga Domingues. Sim, o mesmo – o mesmo que em Toronto apagou com êxito o fogo de Artur Magalhães. Agora, em Luanda, vai apagar o fogo de Xavier Esteves que não soube acertar com um simples sopro no papel que Ismael Mateus fez arder. Com um simples sopro esse papelinho, das dimensões de uma mortalha, não tinha feito qualquer estrago.
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