14 março 2006

Ponto Dois. Transparência no MNE, eis a questão

Transparência e com Passaporte Diplomático. Quem acompanha a vida do Palácio das Necessidades e não é preciso que o tenha feito há muitos anos, não é difícil chegar à conclusão de que a falta de transparência é um grave factor de bloqueio da Casa. Quer a propósito de promoções, de concursos e de colocações; quer a propósito de procedimentos e actuações que até o mais lasso crivo de ética não deixaria passar; quer a propósito de actos e omissões, abusos de poder e até denegação de justiça; quer a propósito de mordomias políticas, impensáveis favores e cobertura a chantagens continuadas, para não falar de desvios de património, uso indevido de verbas públicas, coisas até de pilha-galinhas que nada se comparam com outras mais graves com passaportes, vistos e emolumentos, um pouco de tudo isto tem acontecido desde há 30, 20, 10 anos, com actuações cada vez mais refinadas e apuradas à medida que nos aproximamos do anteontem. «Abafar o problema», «silenciar a questão» e «fazer esquecer o episódio», têm sido os motes amiúde usados em casos melindrosos que numa democracia saudável seriam exemplarmente avaliados em vez do esforço tantas vezes notório para ocultação de provas.

Todavia, apenas uns quantos, porque estamos em crer que esse lado negro depende apenas de uma minoria volta e meia influente ou sempre influente à meia-volta, acabam por perturbar o sonho, a vontade abnegada e o sentido de Estado da larga maioria de diplomatas, funcionários e quadros técnicos do MNE, tanto os que estão nos serviços centrais como os que deambulam nos serviços externos.

Temos obviamente grandes embaixadores que são e serão sempre bons seja qual for o ministro, a política ou o partido dominante; temos obviamente excelentes diplomatas, independentemente das respectivas «quedas» ou mesmo vínculos ditados pela legítima cidadania; temos obviamente zelosos funcionários e excelentes especialistas. Mas toda esta excelência e qualidade reunida não têm conseguido anular os efeitos da continuada falta de transparência, antes pelo contrário a excelência e a qualidade têm sido vitimadas e postergadas sem apelo nem agravo. Exactamente, sem apelo.

O curioso é que alguns expoentes dessa minoria trapalhona, sempre que connosco se cruzam, não hesitam em sabujar, no género: - Você diz coisas acertadas, você percebe da casa, você isto de fazer corar pelo elogio e você aquilo de fazer chegar à noção dos píncaros... Mas, segue-se sempre um conselheiral mas, eis que o principal é dito depois em tom de advertência ou de aviso intimidatório: - Se fosse a si, preocupava-me mais ou só com os grandes temas da política externa, as grandes questões da diplomacia e não com as coisas comezinhas da Casa... até para não se prejudicar». Imaginem!

Ora, neste Ponto Dois, devemos dizer que enquanto a Casa estiver entupida (é o termo) com tais coisas comezinhas que uma Procuradoria a sério e com presença constante e delegada na Casa consideraria relevantes preocupações de Estado, é impossível colocar no primeiro plano a política externa a acção diplomática, por maiores que sejam os temas e as questões. O Ministério dos Negócios Estrangeiros não é uma Universidade e muito menos é um departamento académico de alguma universidade em particular que se sinta no dever ou obrigação de proteger ao nível dos conceitos, das divagações ou mesmo das teses que entretêm o espírito nas nuvens.

A transparência é uma condição sine qua non e aqui é que bate o ponto. É a base do problema, o problema. Há muito que deveria ter sido concedido à Transparência o Passaporte Diplomático – pediu, mas não tem. É pena. A Transparência só consegue vistos temporários e conforme os países para onde Ela se dirige.

Carlos Albino

O Ponto Três será despachado amanhã com toda a naturalidade. Para sossego de alguns espíritos irrequietos, lá chegaremos aos casos concretos, a alguns grandes casos concretos que ilustram como alguns suspiros privados e espirros de intimidade legalmente protegida encheram de tuberculose imprescindíveis pulmões do Estado. Para bons entendedores, meia alegoria por enquanto basta.

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