26 abril 2006

Briefing da Uma. As comunicações dentro MNE

Briefing da Uma. «Quando alguém se convence que tem língua de Estado, eis aí o inimigo», costuma dizer um escriba nascido em Loulé, zona da qual o Presidente da República sabe muito bem quem de lá pode nascer.

1 – Como era outrora.
2 – No tempo dos telegramas: o “verde” e o “rosa”
3 – Ofícios: um único destinatário.
4 – O escapamento ao arquivo central e a grande confusão.
5 – Expediente Martins da Cruz
6 – A «Nota de Cifra pessoal a SEXA Ministro»
7 – Sócrates e Cavaco, bem informados?


(Declaração prévia – Senhoras, Senhores. Desculpem o atraso mas tivemos que explicar ao Rei da Arábia Saudita o que foi o 25 de Abril em Portugal. O anterior rei Fahd Ibn Abdulaziz nunca quis saber nada disso e muito menos ouvir falar de Otelo e de Fabião mas o actual rei Abdullah manifestou total interesse e forçou-nos ler-lhe, palavra a palavra, o belo discurso pronunciado por Vasco Lourenço na noite de 24. A tradução (simultânea) terminou há escassos 15 minutos, com Abdullah visivelmente comovido e rematando a emoção com as seguintes palavras: “Então, o vosso ministro DFA esteve aqui e não me transmitiu tão divinas e reveladoras palavras que de imediato ordenarei que sejam lidas nas Três Mesquitas?”)

1 – (Deixe-se lá do Abdullah e fale-nos do que nos prometeu. Notas Verbais fazem muito bem em falar das comunicações dentro do MNE. Como é era isso, antigamente?) – Repondo-lhe com todo o gosto. Até há uns anos, a articulação entre as missões diplomáticas e consulares fazia-se, quase exclusivamente, através das figuras dos Telegramas e dos Ofícios. Nos telegramas utilizava-se uma linguagem parca em palavras, sem artigos e com poupança de advérbios. Havia também os Aerogramas, em que era utilizada a linguagem "enxuta" do telegrama, mas que era enviado por mala. Não se sabe se ainda existe.

2 – (Pode explicar-me se esses Telegramas eram abertos ou cifrados e como é que eram classificados?) – Na verdade, os Telegramas eram, quase sempre, cifrados e tinham a classificação de Reservado, Confidencial, Secreto e Muito Secreto. Depois de um tempo em que eram telegramas "a sério", enviados através dos Correios (daí a parcimónia nas palavras), passaram a ser remetidos por telex e, agora, por e-mail. O nome Telegrama mantém-se, bem como a respectiva cor: "verdes" para os expedidos, "rosa" para os recebidos.

3 – (O senhor fala em Telegramas mas também havia Ofícios... ) – A sua observação é pertinente...

(Com essa do pertinente o senhor mostra Ter a ronha de todos os porta-vozes. Deixe-se lá de pertinências e vá ao assunto!) – Sim, indo ao assunto, os Ofícios também têm as mesmas classificações mas, contrariamente aos Telegramas - que têm uma rede de distribuição, dependente do encaminhamento pretendido pelo posto, mas igualmente decidido pelo Serviço de Cifra -, são enviados por mala diplomática e têm apenas um único destinatário, que é designado por quem os subscreve. Os Ofícios vão para o Serviço do Expediente e os Telegramas vão - como iam os Aerogramas - para o Serviço da Cifra.

4 – (Daqui a pouco, o senhor está a falar do tempos de D. João V como os velhos jarretas. Como é que o senhor ainda fala em telegramas e aerogramas na era dos e-mails que é o que mais interessa?) – Calma! Calma!!! Vocês jornalistas portugueses de agora, cada um de vós até parece o rei Fahd Ibn Abdulaziz! Anotem com calma, que sobre o MNE não falo árabe! Então, continuando, digo-vos que, numa certa altura, houve a tendência de generalizar a prática do envio de e-mails, directamente entre serviços e postos, escapando a um arquivamento central. A confusão foi total, ninguém sabia quem dava instruções, qual a hierarquia das comunicações - face aos Telegramas -, alguns embaixadores ousaram protestar e a outros, sabiamente, nem sequer lhes passou pela cabeça aderir à nova moda. O tempo encarregou-se de acabar com a prática, que hoje só sobrevive para questões não importantes.

5 – (Não duvido das suas palavras, mas, pagando-lhe pela mesma moeda, o senhor ou já aprendeu muito com o rei Abdullah, ou está a esconder-nos alguma coisa...) – Nada escondo, nem esconderei. Querem ouvir? Em 2002, a gestão Martins da Cruz, para evitar que a Presidência da República - a quem uma cópia de cada telegrama é obrigatoriamente distribuída - soubesse do que se passava na política externa, passou a recomendar a determinadas Embaixadas - mais "sensíveis" e amigalhaças... - o uso da figura da "Nota de Cifra". O ministro Cruz tinha a "Nota de Cifra" como o seu principal veículo de comunicação com o embaixador Esteves, em Luanda, por exemplo.

6 – (Notável, o que nos revela! Era assim em Portugal como outrora na Arábia Saudita? E continua a ser assim? O que é então a "Nota de Cifra" ?) - É uma comunicação cifrada que o chefe da missão envia a alguém da hierarquia do MNE, que lhe é entregue directamente pelo Serviço de Cifra e de cujo teor (em princípio...) não fica registo naquele Serviço. As "Notas de Cifra pessoais para SEXA Ministro" passaram a ser famosas nos tempos da "gestão da cunha".

7 – (Senda estas as circunstâncias das comunicações dentro do MNE, Cavaco e Sócrates podem considerar-se bem informados?) – Já dissemos o suficiente para que os senhores tirem as ilações. Mas para que conste, existe também a figura do "Telegrama Pessoal". No passado era dirigido apenas ao Ministro - ou deste para o chefe da missão - , mas a prática generalizou-se hoje aos Secretários de Estado e ao Secretário-Geral. E assim vai o MNE em termos de comunicações. As Necessidades, em termos de comunicações de Estado são aquilo por que a Igreja Católica chama ao sertão – uma Terra de Missão. Daí a justeza da designação do novo serviço acabado de criar, a Estrutura de Missão para as Tecnologias de Informação e Comunicação onde não faltarão... missionários.

(Missionários?) – Sim, missionários. Quando alguém se convence que tem língua de Estado, eis aí o inimigo.

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