27 julho 2006

Os 29 louvores de Freitas. Um 30.º desapareceu...

Rescaldo final. Louvar é humano, mas Freitas deve ter feito um esforço sobre-humano nos 29 louvores que deixou como testamento nas Necessidades. É claro que, em cada louvor, o destinatário não se apercebe, mas o autor sabe muito bem que La Rochefoucauld tinha toda a razão ao observar que por melhor que digam de nós, não nos dão nenhuma novidade – será o caso de alguns dos 29. Contudo, o mesmo observador também em certa altura atalhou que há censuras que lisonjeiam, e lisonjas que ofendem – será o caso de outros louvados, cientes, tal como André Siegfried, da justeza da seguinte pergunta-resposta: quereis prejudicar alguém? Nada de dizer mal, mas sim bem de mais… E para os diplomatas que muito apreciam que NV façam citações para que, memorizadas, delas se faça acutilante uso em algum momento de diplomacia do caviar, é claro que, a propósito do esforço sobre-humano de Freitas nos louvores, não hesitamos recordar, quer aos louvados a quem o louvor não deu nenhuma novidade, quer aos que já sentiram o louvor como uma ofensa decorrente do ridículo, aquele preceito de Jules Renard – investem-se os elogios como se investe o dinheiro, para que eles nos sejam retribuídos com juros.

Do Louvor n.º 528 ao n.º 558 – o n.º 555 levou aparentemente sumiço, mistério! – foram vinte e nove louvores! Já aqui reproduzimos aquele louvor antológico destinado ao «porta-voz» e que sugeriu à evidência matéria de juros, mas o realce até foi uma injustiça para os restantes, desde motoristas, secretárias, diplomatas do gabinete e pessoal de apoio. Para uns casos, o ex-ministro realça que o trabalho «quantas vezes sem horários nem fins-de-semana»; num outro louvor o caso de alguém «trabalhando sempre pelo menos doze horas por dia, muitas vezes também ao fim-se-semana»; noutros vários louvores, a incómoda chapa zero de «foi um prazer, aliado ao gosto por uma boa conversa, poder beneficiar do seu serviço…», ou então chapa do mesmo tipo no «Apreciei sobretudo a sua lealdade, o seu espírito de equipa e o permanente desejo de fazer bem feito»; noutro caso, «nunca fechou as luzes antes de tudo estar pronto – e perfeito – para o dia seguinte»… por aí fora.

Mas, por todos, vale o louvor 532, como segue:

Gabinete do Ministro

Louvo José Lopes Cardoso, motorista do meu Gabinete, especialmente encarregado do apoio automóvel à minha família directa, pelas suas excepcionais qualidades humanas, além de uma excelente educação, elevada competência profissional, capacidade de condução segura, pontualidade, aprumo pessoal e absoluta discrição.


Senti-me sempre muito tranquilo por saber que estavam nas suas mãos os membros da minha família mais próxima que, por uma razão ou por outra, precisavam dos seus serviços, de que sempre muito gostaram.

30 de Junho de 2006. — O Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

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