07 fevereiro 2007

[Ponto.Crítico] 1 Overdose de prioridades

[Ponto.Crítico] Parece que uma única coisa neste planeta aguça a língua dos decisores ou fautores da política externa portuguesa – a prioridade. Sua Excelência vai à ONU? A estratégia da cooperação é a nossa prioridade. Vai a Angola? Prioridade. Vai à Líbia? Outra prioridade. Vai à China? A prioridade das prioridades. Foi à Finlândia? A prioridade de recolher o exemplo. Deslocou-se ao Brasil? Incansavelmente, a maior prioridade. Nas cimeiras com Madrid? A Espanha não é uma, é com sofreguidão, a prioridade. A Microsoft vem até junto de Sua Excelência? A prioridade revela-se pré-formatada. E se em nome de Sua Excelência, é Vossa Excelência que vai aos EUA, a Marrocos, ao Japão, à Mauritânia? Transmite-se a conveniente prioridade à semelhança do que, em qualquer que seja a capital do planeta, a política externa portuguesa anuncia, mal desça do avião. E assim foi na Índia – Prioridade! Prioridade! E o que se disse no passado remoto, no passado fresco e se entende dizer no presente acerca de Macau? Prioridades, umas temporãs, outras serôdias - conta a conta, por aí vamos rezando um rosário de prioridades. E assim é que o campo onde recentemente se semearam as prioridades ainda vivas, apenas alegra os espíritos que se esqueçam do vasto cemitério de prioridades enterradas onde cada presidente, cada governo e cada ministro de Estrangeiros vai tendo direito a talhão privativo – há vários exemplos de como a priorização sorvedoura é a doença terminal das políticas externas quando anula a identificação dos problemas e corrompe o trabalho que há a fazer.

Portanto, vulgarizou-se, banalizou-se a prioridade portuguesa tal como se banalizou e vulgarizou o guincho de gozo inicial do anúncio da prioridade. Dá a ideia de que a diplomacia portuguesa existe porque consome porções incalculáveis de prioridades, gastando o tempo em deglutir esse alimento, por certo prioritário para a sua existência. Compreende-se pois que não haja agenda – quando tudo é prioritário, para quê agenda? Há apenas calendário, vários calendários – o bom comportamento decorre assim do cumprimento de calendário que é o que fica da overdose das prioridades descredibilizadas.

Carlos Albino

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