14 maio 2007

┌ Ponto↔Crítico ┐ 8 A falta de jeito do papa

Ao despedir-se do Brasil, o papa Bento XVI entendeu pronunciar-se sobre os rumos da Venezuela de Chávez e da Bolívia de Evo Morales. Podia tê-lo feito no Vaticano, antes de partir para a América Latina ou no regresso ao Estado da Santa Sé. Se o tivesse feito no Vaticano, junto do qual estão acreditados embaixadores daqueles dois estados sul-americanos, o pronunciamento do papa teria obviamente um explícito valor político e diplomático. Fazendo-o no Brasil, um estado terceiro e alheio, terá o papa julgado que falou de entre as nuvens ou como que a partir do céu que é o lugar mais ou menos espiritual onde se faz política e diplomacia supostamente com imunidade.

Para além de se duvidar da eficácia da mensagem papal junto de Chávez e de Morales, embora não citados directamente mas os destinatários identificados, é muito provável que o papa tenha contribuído para agravar o problema – o problema do autoritarismo e do populismo na América Latina propensa a isso.

Ao papa não bastou a lição que devia ter colhido quando, também em estado terceiro, exacerbou o mundo muçulmano com a ingénua citação de Manuel II Paleólogo numa universidade alemã (Ratisbona), e pela qual teve que pedir desculpa, em Setembro do ano passado em Castelgandolfo, debaixo de fortes medidas de segurança depois de um grupo terrorista iraquiano ter ameaçado atacar em Roma e na sequência de protestos, entre outros, do presidente da Indonésia e do Irão. É certo que, num primeiro momento, com essa do Paleólogo, o papa ganhou o epíteto de corajoso mas perante as consequências da simples citação que motivou o incêndio de igrejas na Cisjordânia e o assassínio de uma mulher italiana, Rosa Scorbati, a Irmã Lionella, em Mogadíscio, o pedido de desculpas papais aos crentes muçulmanos não só anulou a excepção corajosa como foi equivalente a desnecessária humilhação.

É lícito relacionar a imprudência de Rabistona com os considerandos do Brasil, porquanto Bento XVI dá mostras de pouco jeito para lidar com o gládio temporal, se é que o deseja acrescentar ao gládio espiritual que inegavelmente possui. Tal falta de jeito revela-se também nas omissões, como no caso da Turquia quando Ergodan tornou público que Bento XVI apoiava o ingresso daquele país na União Europeia – não foi verdade, mas o Vaticano calou-se, certamente para não ressuscitar sequelas da crise de Manuel II Paleólogo em função da qual a viagem foi programada.

Nesta viagem ao Brasil, o papa não ganhou muito, e, a ver vamos, apenas terá complicado. Num estilo diferente, pelo menos para efeitos mediáticos, ao antecessor João Paulo II pouco faltou para reduzir Fidel Castro à dimensão de pastorinho de Fátima, tanto que a sua morte levou o ditador cubano a reentrar na catedral de Havana, assistindo a uma missa, depois de 45 anos sem pôr os pés numa igreja católica e a escrever no livro de condolências: "Descanse em paz, batalhador incansável pela amizade entre os povos, inimigo da guerra e amigo dos pobres". E isto porque João Paulo II ia ao sítio e falava cara a cara - tinha a noção da política e da diplomacia que Bento XVI revela não ter.

Carlos Albino

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