Cimeira de todos os perigos, à beira da catástrofe, braço-de-ferro, que X à porta fechada combinou com Y para salvar ou que Z salvou – referências extremas como estas acompanharam, no noticiário quotidiano português dos últimos dias, os passos normais, embora tensos, do evoluir da diplomacia interna europeia que imprudente e incautamente, pela mão de protagonistas vorazes, foi armadilhando o seu próprio terreno, fragilizando o projecto comunitário. Palavras como «perigos», «catástrofe» e «salvação» são manifestamente excessivas sobretudo quando são atiradas para uma opinião pública alheada e desconhecedora do que está em causa, porque ninguém com responsabilidade lhe explicou o que deveras estava e continua a estar em causa com a meta de um novo Tratado Europeu, seja ele o complicado, seja o simplificado.
Não é difícil entender que tais palavras excessivas, intencionalmente ou não, visaram reforçar a ideia ou desejo de atribuir heroicidade – heroicidade diplomática - para a Presidência portuguesa da UE, não se evitando evidenciar a atribuição de porção maior ou menor também de heroicidade para a Presidência alemã, cabendo à parte portuguesa executar heroicamente o mandato claro conseguido heroicamente pela parte alemã. Partilhada ou própria, havia que gerar esse mito da heroicidade que salvasse a Europa da catástrofe sem se especificar qual a «catástrofe», que a livrasse de todos os perigos sem se apresentar a «lista» de tais perigos, e anulasse os braços-de-ferro sem se explicar o que é «ferro» nesta Europa que, na matéria fundamental das formulações das políticas comuns, coloca Estados e Populações (volumes nacionais, claro…) como elementos decisivos para a formulação de decisões.
O que se disse em Bruxelas que Portugal quer e aceita, até agora não foi claramente explicado aos Portugueses que, em resumo, apenas sabem que o Estado Português recebeu um «mandato claro», ultrapassada a catástrofe, ultrapassados os perigos e ultrapassado o braço-de-ferro. Sabemos que há um «mandato claro» mas não sabemos o que foi dito que Portugal quer e o que, em negociação, aceitou a troco de que contra-partidas. Sabem alguns do relato com o Reino Unido e com a Polónia, mas pouco sabemos do nosso próprio relato. Ora isto nada tem a ver com o referendo porque não é o referendo que explica – pode ajudar mas não explica. O problema não é, por agora, o referendo, mas a explicação, a justificação política.
Carlos Albino
Diplomacia portuguesa. Questões da política externa. Razões de estado. Motivos de relações internacionais.
24 junho 2007
┌ Ponto↔Crítico ┐ 9 Mandato claro, sem explicação clara
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