De grande dignidade, foi a posição do Presidente da República sobre a pobreza em Portugal. «Envergonho-me desta posição», disse. Poderia calar-se, evitar o assunto, desdramatizar a evidência ou assobiar para o lado em nome da imagem de Portugal - não o fez, assumiu a verdade que está à volta e que entra pelos olhos muito antes de as estatísticas, como juízes tardios, forçarem o muro da hipocrisia.
Sem vergonha, há uns meses, o ministro Manuel Pinho já tinha argumentado, por outras palavras e para chineses, as vantagens da pobreza de Portugal para a competitividade internacional, como se a situação fosse motivo de orgulho, crendo-se que se levou a sério depois de ter sido suportado e pela forma como foi suportado. Ficaram atónitos todos aqueles que, não tolerando já a hipocrisia, muito menos aceitam que a esperteza sacrifique a inteligência.
Na verdade, ser-se Presidente de uma República de pobres não é motivo de orgulho e de glória, mas lá por isso a política não tem que ser pobre e tender, ela própria, para a miséria. Ora, não se exige ao Chefe de Estado um decreto presidencial para eliminar a pobreza - é impossível. O que se espera dele nas suas funções é o magistério, que usa como quer e quando quer. Como Presidente da República, ao usar sem subterfúgios a palavra vergonha, exerceu esse magistério que, no caso da pobreza, vale por cem decretos presidenciais que, como toda a gente sabe - mais pobres ou menos pobres - seriam inaplicáveis.
Alguns responsáveis públicos, e de entre estes decisores, são amiúde tentados a sacrificar a verdade em nome da imagem de Portugal. Foi assim, no antigo regime, quando, em nome de tal imagem, MNE e embaixadores se esforçavam nas capitais ocidentais em provar que no País havia democracia, progresso e quanto a pobres nem pensar. Infelizmente, essa obsessão de «salvar a imagem» à custa da realidade transitou para o regime democrático - não raras vezes com recurso a operações de marketing político acompanhadas domesticamente pelas revoadas dessa horrível palavra da auto-estima, como se estima perdessemos sabendo que somos pobres e sabendo que estamos na cauda da Europa nas matérias essenciais - é o problema.
Ora, reconhecer o problema, mesmo que nos envergonhemos do problema, é o primeiro passo para se encontrar a solução. Por isso, desculpem lá os cultores da imagem de Portugal por qualquer preço, mas tenho que dizer: Obrigado, Presidente - formulou o problema, estimule a solução.
Carlos Albino
Diplomacia portuguesa. Questões da política externa. Razões de estado. Motivos de relações internacionais.
18 outubro 2007
┌ Ponto↔Crítico ┐ 13 A Pobreza e a "imagem" de Portugal
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