Diz o Governo, depois de aprovar a resolução sobre a ratificação do Tratado da UE, que pretende um amplo debate «na sociedade civil» sobre a matéria, com Pedro da Silva Pereira a deixar claro um desejo - o de que a aprovação parlamentar e a ratificação pelo PR «seja tão célere quanto possível e ajustado àquilo que foi a responsabilidade do país na conclusão deste tratado».
Naturalmente que a responsabilidade na conclusão do tratado cabe em primeira linha ao governo que viu a consciência política aligeirada do fardo de compromissos eleitorais, quando se certificou do apoio do principal partido da oposição e do respaldo presidencial, para se identificar com a "responsabilidade do país", e, identificando-se com esta, geri-la com diferimentos e dispensá-la, porque a dispensou e geriu.
A desejada celeridade no processo de ratificação é uma questão menor, essa questão do incumprimento do reiterado compromisso eleitoral do PS diz respeito apenas a este partido sendo assunto interno e responsabilidade colectiva que começa no militante politicamente menos pesado e acaba no líder de maior peso – numa democracia há horas próprias para avaliação da responsabilidade do partido em que os eleitores confiaram, dando-lhe o poder. Essa hora ainda não chegou e, democraticamente, a sociedade (a civil, a militar e já agora também a religiosa, a aristocrática e a plebeia, para completar esse tique de tardia manifestação secundária de adolescência constitucional) ditará o que terá a ditar, então sim traduzindo a «responsabilidade do País». Há que aceitar.
O tratado está feito e assinado, o parlamento vai pela certa aprová-lo e o PR irá ratificá-lo. Perfeito. E tão perfeito que se estranha agora essa consciência de necessidade de debate que o governo manifesta. Mas debate de quê, como e para quê?
Debater o que está decidido, é perder tempo – e o país precisa de tempo para debater o que ainda não está decidido e não o que já está, ainda para mais o que já está decidido sob invocada responsabilidade do país.
Além disso, debater como? A legitimidade de um debate funda-se quando ele se centra na formulação de um problema para o qual se busca uma solução – solução consensual se possível, ou com escrutinado apoio maioritário o que já será bom. Politicamente, um debate só é defensável se incidir num problema e não numa solução imperativamente tornada incontornável. E quanto a isto, se não tivesse havido um compromisso eleitoral de debate do problema antes da solução, os canais da democracia representativa seriam suficientes e até aceitáveis por princípio – teria sido melhor o compromisso eleitoral ter sido o deste princípio e com clareza. Não deixar cair uma solução na rua supõe também a responsabilidade de não deixar que o problema na rua se formule.
Assim, debate sobre o tratado, para quê? Para colocar em espúria oposição à invocada «responsabilidade do país» os que defendendo para a Europa o espírito do tratado e até mais que o tratado, gostariam que o país, em primeira e definitiva vez, fosse responsável na aceitação de mais Europa? Esse exercício com tais objectivos pouco nobres, não só colocam mal os agentes da democracia representativa a quem compete decidir sobre a solução, como também concedem protagonismo aos que integram minorias retrógradas e que são retrógradas porque exactamente são incapazes de formular os problemas ou de aceitar a formulação do problema – o no caso, o problema da Europa – na avidez de algum dia voltarem a ver imposta a solução que as define como minorias ou as confina nas minorias, também elas julgando-se fundadas na «responsabilidade do país» e senhoras de tal responsabilidade.
Na eventualidade de haver debate de uma solução e não de um problema, esteja certo o ministro Pedro da Silva Pereira que aqueles que pugnam por Europa e mais Europa, todavia fora do quadro de provincianismo português que Pessoa tão bem descreveu – provincianismo mental que parece ser já doença hereditária – esteja certo que esses ficarão em casa. E ficarão em casa porque jamais aceitarão que se chame debate à propaganda ou explicação de solução que fez tábua rasa de compromisso nobre – não estando contra a solução, mas apenas contra a falta de um debate cujo objectivo fosse deixar definitivamente clara a «responsabilidade do país» na solução-Europa para o problema português e na solução-Portugal para o problema europeu, obviamente recusam o desconforto de meramente fazerem propaganda, porque a propaganda nacional, por regra, dá maus resultados em Portugal.
Como voltaria Pessoa a observar, o provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela – em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz.
Carlos Albino
Diplomacia portuguesa. Questões da política externa. Razões de estado. Motivos de relações internacionais.
19 janeiro 2008
┌ Ponto↔Crítico ┐ 14 Europa. Debater o quê, como e para quê?
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