23 abril 2008

Jornal de Angola. Mas que lição Luanda dá?

O Jornal de Angola, de vez em quando, nos seus editoriais, dedica referências a Portugal, como que redigidas por motorista mal disposto a conduzir carro de aluguer. Já assim foi a propósito da inflamada história dos vistos em Luanda, e acaba de acontecer há dias, a propósito de declarações por Samakuva em Lisboa.

Francamente, não nos interessa lá muito o que um editorialista angolano pensa oficialmente de Samakuva, ou como avalia o que Samakuva disse em Lisboa, não sendo difícil fazer a suposição do que Samakuva pensa do Jornal de Angola. Sendo Lisboa uma circunstância de lugar, tal como Luanda lugar de circunstância, que o Jornal de Angola critique Samakuva à vontade, as vezes que queira e como queira, nada temos com isso, nem nada teremos com a escolha de circunstâncias por Samakuva.

Mas há exercícios editoriais em que o Jornal de Angola se repete, que podem levar a perguntar a quem por lá escreve: que lição dá ou pode dar Luanda?

Desta última vez, a matéria de lição foi precisamente a da corrupção. Ligeira passagem, é certo, ligeira até pelas regras da cartilha do terrorismo opinativo, mas passagem de lição.

Diz-se nesse editorial que Samakuva «ao ir a Portugal abrir uma campanha política e falar de corrupção, escolheu mal o sítio. É o próprio Presidente da República Portuguesa a reconhecer que a corrupção é hoje um dos mais graves problemas que Portugal enfrenta». Ou seja: Portugal é um sítio de corrupção, pelo que, quem queira falar deste tema deverá escolher outro sítio, não se sabendo até se foi possível a Cavaco Silva, para se pronunciar sobre a matéria, descobrir uma pequena clareira de transparência nesse sítio tão mal escolhido, clareira essa tão pequena que mais ninguém lá caberá, muito menos um angolano seja ele qual for, seja Samakuva, seja José Ribeiro, o director do Jornal de Angola, ou quem sabe, o próprio presidente angolano, Eduardo dos Santos.

Tal raciocínio não valeria cinco segundos de consideração, se por hipótese, ontem, hoje ou amanhã que ainda vai a horas, um editorial do Jornal de Angola desse relevo ao quadro legal que Portugal acaba de pôr em vigor, interrogando-se esse jornal para angolanos e entre angolanos, se à semelhança do errado sítio português, coisas como estas:

- Angola terá já definido internamente um regime de responsabilidade penal para os crimes de corrupção cometidos no comércio internacional e na actividade privada? Define?

- Angola terá configurado como crime, a corrupção activa com prejuízo do comércio internacional? Configura?

- Disporá Angola também de lei que vá a direito contra a corrupção passiva no sector privado, e contra o branqueamento e a criminalidade económico-financeira? Dispõe?

- E, acima de tudo, que mecanismos internos Angola terá introduzido para aplicação da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção que ratificou em Agosto de 2006, antecipando-se nisso em um ano - concede-se - relativamente ao sítio errado? Poderá Angola, nesta matéria, dizer que é o sítio certo? Que, sendo um país em situação de pós-conflito prolongado, já pode cantar de galo quanto ao reforço do associativismo de advogados, e quanto a que a justiça não esteja ainda numa etapa inicial para a generalidade dos cidadãos? Que já não evidencia uma grave falta de recursos, de agentes legais e judiciais capacitados, com o governo a aceitar plenamente que a auto-regulação é parte do processo que alimenta a democracia e pré-requisito para a luta eficaz contra a corrupção?

Ora, José Ribeiro, é de escrever sobre isso, no sítio certo. E, já agora, explicando porque é que Angola ocupa um dos últimos lugares no ranking mundial da percepção da luta contra a corrupção, o 142º lugar em 163 países analisados pela Transparency International, onde o sítio errado, apesar de tudo, está em 26º.

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