26 abril 2008

«Jornalismo diplomático» nos tempos de Rui Patrício...

ESTÁVAMOS EM 1971 Nas Necessidades, o ministro Rui Patrício (foto ao lado, mas actual...) fizera uma longa exposição perante alguns jornalistas e bastantes escribas do regime. Nessa exposição, o ministro atacara a ONU e o comité descolonização, defendera pela centésima vez o sistema colonial, anunciara a saída de Portugal da UNESCO, rebatera a existência de trabalho forçado nos territórios ultramarinos, denunciara o apoio do Conselho Mundial das Igrejas, da Federação Luterana Mundial, de uma fundação inglesa e do Partido Trabalhista Britânico ao movimento independentista de Moçambique, anunciara que «estão praticamente terminadas as conversações exploratórias que a delegação portuguesa, especialmente constituída para o efeito, tem mantido com a Comissão das Comunidades Europeias»…

Seguiram-se as perguntas, de modo geral ensaiadas, permitindo ao ministro expôr o que de motu próprio não deveria dizer. E no final, uma pergunta de antologia, a definir por si só o que era um escriba oficial num regime autoritário.

Foram 264 as palavras dirigidas a Rui Patrício, como se segue:


A pergunta

    Tendo presente que os problemas da África austral continuam a ser objecto de críticas e atitudes tendenciosas por parte dessa incrível organização de desordem internacional que é a O. N. U;
    Tendo presente essa condenada pulverização de pseudo-Estados africanos independentes, mais exactamente protectorados soviéticos, ingleses e americanos;
    Tendo presente que Portugal é um país estruturalmente africano, e tendo por acréscimo um exemplo no continente europeu, e que as necessidades potenciais ultramarinas são equacionadas a um prisma de conhecimento in loco e diálogo aberto e desassombrado dessas necessidades;
    Tendo presente a coexistência pacífica e a salutar fraternidade humana que vincula todos os países que constituem a África Austral, afigura-se-me que a fase de namoro e noivado em que se encontra a cooperação económica da África Austral está ultrapassada.
    Assim, perante o contacto destas quatro premissas fundamentais, peço licença para perguntar a V. Ex.a, Sr. Ministro:

      1. Para quando uma verídica, dinâmica e operante cooperação económica da África Austral com um plano de fomento conjunto em que uma eficiente política sócio-económica, na qual os interesses industriais estivessem interligados, como é o caso, por exemplo, da bauxite existente no Malawi, produto este fundamental para a indústria do alumínio, mediante a constituição de sociedàdes de capital misto?
      2. Não teria chegado o momento oportuno de Portugal e a África do Sul, leaders da futura cooperação económica na África Austral, adentro de uma consciência de solidariedade de interesses, serem os dois primeiros países a reconhecem perante o mundo civilizado a independência da Rodésia com prejuízo dessa pseudo-aliança com a Inglaterra?

    Julgo que temos de encarar o futuro com coragem, desassombro e verticalidade.

Jornalismo oficial e diplomacia oficial, com esta coragem, desassombro e verticalidade, andavam de braço dado.

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